sábado, 17 de janeiro de 2015

A visita de Breno às profundezas do inferno. Quatro cirurgias nos joelhos, depressão, problemas com bebidas alcóolicas, incêndio, três anos de prisão. A luta para tentar sobreviver no São Paulo...

A visita de Breno às profundezas do inferno. Quatro cirurgias nos joelhos, depressão, problemas com bebidas alcóolicas, incêndio, três anos de prisão. A luta para tentar sobreviver no São Paulo...




"Muitas pessoas falaram bastante coisa sem saber. Eu fui para Alemanha muito jovem, outra cultura, idioma difícil. Achei que ia jogar no Bayern, mas nunca fui titular absoluto. Aí fui para o Nuremberg (empréstimo), tive uma sequência boa e acabei sofrendo uma lesão. Operei e fiquei dez meses tratando. Depois me lesionei outra vez e isso me deixou triste. Quando eu recebi a notícia da nova operação, eu bebi e fiquei inconsciente. Foi um erro meu." Foi assim que Breno tentou resumir o seu drama na Alemanha. Na sua entrevista de retorno ao São Paulo ele não quis expor tudo o que viveu. E foi realmente algo terrível. As publicações germânicas revelam muito mais do que saiu no Brasil. Nos jornais de lá, os detalhes do "Der Fall Breno", "Caso Breno" são estarrecedores. Mostram o que acontece quando o despreparo domina a vida de um jovem esportista, guindado a um dos maiores clubes do mundo. Sem a menor estrutura, amparo psicológico. A história tinha tudo ser um conto de fadas. O então treinador da base do São Paulo, o ex-jogador Zé Sérgio, anunciou a Juvenal Juvêncio. Havia um zagueiro entre os juvenis que faria história no clube. Com muita força física, ele era perfeito nas bolas aéreas. Excelente nas antecipações. Arranque surpreendente. Nas divididas ganhava na raça ou na técnica. Atuava com a cabeça erguida. Era jogador para o clube ganhar títulos e dinheiro. A chegada de Breno ao futebol profissional, com 17 anos, foi um choque. Imprensa, treinadores e jogadores adversários ficaram admirados. Foi a grande revelação do Brasileiro conquistado pelo São Paulo em 2008. Já fazendo parte da Seleção Olímpica, medalha de bronze na China. Empresários europeus ficaram assanhados, desesperados tentando contratá-lo. Juvenal Juvêncio queria mantê-lo mais tempo no Morumbi. Só que o Bayern de Munique não deixou. Pagou os 12 milhões de euros, R$ 36,2 milhões. Era uma fortuna na época. Ainda mais por um jovem zagueiro. Breno acreditou que chegaria com status internacional. Seria tratado como grande estrela. Seria titular absoluto. A realidade foi bem outra. O Bayern sempre foi um clube com elenco farto de jogadores importantes. O brasileiro seria apenas mais um. E começaria na reserva, da reserva. Sem privilégios.

Breno na Alemanha acompanhado da esposa Renata e os filhos Isabela, Flávio (filhos do primeiro casamento de Renata) e Pietro, o único do jogador. A família foi colocada em uma casa luxuosa, ao lado de onde morava o lateral Rafinha, também brasileiro. A intenção da direção do Bayern era facilitar a adaptação do ex-zagueiro são paulino. Foi importante essa convivência. Só que Breno acumulou erros. O maior deles. Não quis nem tentar aprender alemão. Ficou impedido até de tirar a carteira de habilitação. Ficou irritado e depois deprimido por não ser tratado da maneira especial que sonhava. Jürgen Klinsmann não gostou do seu comportamento. A imprensa considerou o brasileiro mimado, de personalidade difícil. Zé Roberto e Rafinha procuraram ajudá-lo. Mas vieram as lesões nos joelhos com a necessidade de cirurgia. O Bayern não o liberou para a recuperação no Brasil. O estresse só piorou. Breno vivia uma vida de prisioneiro na sua casa. Sem falar alemão ou dirigir, dependia dos amigos e da esposa para tudo. Ao se recuperar da segunda cirurgia, ele foi emprestado ao Nuremberg. O técnico já era o holandês Van Gaal. Ele precisava mostrar resultados. E não iria apostar em um jovem zagueiro brasileiro que vindo de duas cirurgias. Breno descobriu que não tinha querer. Apesar de o São Paulo e o Flamengo tentaram sua contratação por empréstimo, os alemães não quiseram nem saber. Iria jogar no Nuremberg. Ainda estava longe do futebol que empolgou a todos, mas começava a ganhar espaço na pequena equipe. Mas sofreu uma gravíssima lesão nos ligamentos cruzados do joelho direito. Teria de enfrentar nova cirurgia. Foi devolvido sem pena ao Bayern. Operou e voltou à rotina. Da casa para o clube. Do clube para casa. Sendo levado pela esposa ou por Rafinha, seu grande amigo. A recuperação era lenta, muito dolorida. Breno já mostrava sinais de depressão. Chorava muito. A Europa não era nada do que havia imaginado. Mas tudo ainda iria piorar muito.

Quando estava praticamente recuperado, voltou a sentir dores no joelho. Uma junta médica que o tratava confirmou ser necessária mais uma cirurgia. Uma raspagem. Os cirurgiões não esconderam a preocupação sobre o seu futuro como jogador. Foi na manhã do dia 19 de setembro de 2011. A partir daí, o relato é da sua esposa, Renata. "Breno recebeu a noticia de que teria que fazer a quarta cirurgia. Ele teria que fazer uma raspagem no joelho. Quando ele chegou em casa, me chamou para almoçar em um restaurante, pois estava muito triste e queria relaxar um pouco. Estava querendo encontrar o Rafinha e os amigos. O ex-empresário dele Guilherme Miranda estava com a gente, pois ia acompanhar a cirurgia. O Breno começou a beber cerveja e eu saí, pois tinha que buscar meus filhos na escola. Quando foi umas cinco da tarde, eu liguei e eles estavam indo para casa.

O Breno bebeu uma garrafa de vinho do Porto em casa. Ele foi acusado de beber todos os dias, mas como uma pessoa pode beber todos os dias e treinar? Ele bebia só nas folgas dele. Depois de beber o vinho, abriu uma garrafa de whisky. O Guilherme não estava bebendo, mas o Breno estava bebendo demais. Lembro que fiquei assustada, ele já estava indo para a terceira bebida diferente.Coloquei as crianças para dormir e falei para ele parar, pois ia operar no dia seguinte. Mas ele não me obedecia mais. Chegou a turma do Rafinha na minha casa e ele foi até o portão, o Breno é muito tímido e eu me assustei , pois ele pulou na frente do carro do Rafinha. Recordo que ele falou para eu fazer um bife para ele. As coisas que ele falava já não tinham mais sentido. O Rafinha se assustou também, pois eles iam para o Oktoberfest. Mas o Breno não foi com eles. Teve uma hora que ele começou a ter alucinações e começou a falar que tinha que ajudar o Rafinha e os amigos dele, que os policiais estavam atrás dele, coisa de bêbado mesmo. Ele começou a subir a rua da nossa casa só de bermuda e começou a rolar no chão da pracinha. Quando o Guilherme foi lá ver, ele disse que os policiais estavam atrás dele. Nessa hora ele alucinou total. Ele subiu a rua umas dez vezes. Ele gritava que “os caras” estavam querendo pegar o Rafinha. Quando voltou para casa, ele olhou nosso filho, que estava dormindo, e pediu para eu tomar conta dele. Daí ele abriu a janela do quarto para pular. Eu o abracei e orei. Mas ele fez de novo, nessa hora eu já não conseguia mais segurá-lo. Comecei a gritar pelo Guilherme, pedindo ajuda. Eu segurei por um braço e o Guilherme por outro, mas não conseguimos, pois ele é grande, ele caiu de uma altura de quatro metros. Daí eu falei, pronto, agora acabou o joelho. Mas ele levantou na mesma hora e saiu correndo ainda dizendo que precisava ajudar o Rafinha. Nessa hora ele pegou uma faca enorme e foi para a rua. O Guilherme falou para eu sair de casa com as crianças, pois ele estava muito bêbado e algo pior poderia acontecer. Concordei, acordei as crianças e as coloquei dentro do carro - de pijama ainda. Fiquei dando voltas na rua até uma hora e passei duas vezes em frente à minha casa. Nessa hora, já tinha um monte de garrafa quebrada e as bicicletas jogadas no chão. Liguei para o Rafinha e pedi ajuda. Fiquei parada na esquina dentro do carro, era quase meia-noite. Um pouco depois, vi uns 30 carros de polícia dobrando a minha rua. Daí eu falei: “O Breno se matou!.” Quando cheguei na porta de casa, foi um desespero. Já estava tudo tomado pelo fogo. Eu gritava para os policiais entrarem e salvarem o meu marido. Eu me ajoelhava no chão e implorava para os bombeiros entrarem na casa , mas eles falavam que não dava mais. A casa já tinha lambido. Eu chorei por 20 minutos a morte do Breno. Nessa hora, o Rafinha chegou e ele chorava muito também e começou a pedir para os bombeiros entrarem."

A casa luxuosa que Breno morava era alugada em Grunwald, o bairro mais nobre de Munique. A R$ 15 mil mensais. Ela estava completamente destruída. O jogador estava levemente machucado, mas coberto de fuligem. E ao avistar os bombeiros entregou, chorando, três isqueiros. Foi levado ao hospital. "Fui para o hospital e perguntei se ele se recordava de alguma coisa. Ele disse que quando voltou para casa e não me encontrou e nem as crianças ficou louco, achou que eu tivesse ido embora. Ele não lembrava da cena de acender alguma coisa para provocar o incêndio. Fiquei pensando nas possibilidades, como um curto-circuito. Ele estava fumando narguilê. O Breno não fuma cigarros. O Werner Leitner (seu advogado) o orientou a falar que fumava para a defesa dele. Ele também não lembrava de ter entregue os isqueiros para a polícia. Mas, com certeza, ele tinha os isqueiros, pois acendeu o narguilê. Acho sinceramente que ele não lembra mesmo do que aconteceu", disse Renata. A situação ficou ainda pior. O telefone de Renata foi grampeado. E acabou sendo divulgado na imprensa alemão que ela acreditava que Breno estava possuído, com "Satanás" no corpo, na hora do incêndio. Isso pesou demais no julgamento. O advogado ainda tentou uma manobra mais constrangedora. Afirmou que Renata havia se tornado amante de Guilherme, então empresário de Breno. Por isso as crises de depressão, as bebedeiras. "O advogado inventou essa história porque achou que seria uma boa defesa. Para colocar a culpa em mim. Nunca fui amante do Guilherme, isso nunca existiu. Achei que a defesa do Leitner não foi correta. Eu não pude depor. Ele simplesmente fez a defesa do jeito que ele quis", afirmou Renata, ao site da Globo.
Breno pegou três anos e nove meses de prisão, acusado de provocar incêndio criminoso. A cúpula do São Paulo sabia que ele estava deprimido. Porque havia outro ingrediente. Antes da decisão da última cirurgia, ele estava negociando um pré-contrato com a Lazio. O sofrimento era imenso. Assim como as dificuldades financeiras. Um atleta quando fica 45 dias impossibilitado de jogar na Alemanha passa a ganhar apenas cerca de, no máximo, R$ 25 mil. O tempo de recuperação das cirurgias dificultaram sua vida. O dinheiro era insuficiente para os gastos. Seus salários eram de R$ 300 mil. A pressão que Breno sofreu foi terrível. O contrato com o Bayern terminou em 2012. Assim que foi encerrado, o São Paulo fez um contrato até outubro deste ano. Os R$ 5 mil de ajuda de custo foram fundamentais. Se juntaram aos R$ 9 mil que recebia do aluguel de um apartamento. Breno passou 13 meses em regime fechado. Sem poder sair sequer um dia.
Depois de tanto sofrimento, Breno chegou ao São Paulo sem qualquer lesão mais profunda. Está muito acima do peso. Muricy Ramalho fez questão de não inscrevê-lo na Libertadores. Quer ir com toda a calma com o jogador. Mesmo assim, ansioso, Breno acabou forçando nos primeiros treinamentos. E sofreu uma lesão na coxa esquerda. "Olha, eu vou ser sincero. A minha principal preocupação é recuperar o cidadão. O que este garoto sofreu, ninguém pode imaginar. Se ele puder voltar a jogar, ótimo. Seria perfeito. Mas se não puder, está ótimo. Nós gostamos demais dele e queremos recuperá-lo para a sociedade. Esta é a nossa obrigação. Nós o vimos nascer para o futebol. Vimos os sonhos que ele tinha. Vamos fazer de tudo por ele como pessoa", enfatiza Muricy. O treinador do São Paulo tem razão. É muito difícil um jogador de apenas 25 anos, da elite do futebol mundial, que tenha sofrido tanto. Mergulhou no mais profundo inferno pessoal. Saiu do Brasil com 18 anos para ser uma estrela internacional. Teve quatro cirurgias nos joelhos, depressão, problemas com alcoolismo, enfrentou três anos de cadeia. Fez várias tatuagens sobre o corpo. É fácil perceber o seu desafio no olhar nervoso, tenso. Ele luta pelo mais básico instinto de qualquer ser vivo: sobreviver. Levante a cabeça e não se envergonhe de nada. Você só fez mal a você mesmo, Breno...




Fonte: Esportes R7
Autor: cosmermoli
Publicado em: 17 Jan 2015 01:09:12

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