terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

O primeiro torcedor morto em confronto com torcidas organizadas em 2015. Aos 16 anos, com dois tiros dados pelas costas. Quem se importa com o assassinato de um filho de pedreiro? Ninguém...

O primeiro torcedor morto em confronto com torcidas organizadas em 2015. Aos 16 anos, com dois tiros dados pelas costas. Quem se importa com o assassinato de um filho de pedreiro? Ninguém...




Dois tiros pelas costas. Um abaixo do ombro perfura o tórax. O outro, nas nádegas, estraçalha a virilha. O adolescente de 16 anos cai. Está morrendo, com seu sangue manchando a calçada. Um pai ouve os disparos, se preocupa. Seu filho foi ao jogo não chegou em casa. Assustado, resolve ver o que aconteceu. Sai de bicicleta, angustiado. Seu terrível pressentimento vira realidade. Cercado por policiais, torcedores e curiosos, seu filho está caído. As manchas de sangue cobrem seu corpo. Desesperado, sem saber o que fazer, quer levar o filho para casa. O máximo que os policiais permitem é que carregue para uma das viaturas. Será levado por obrigação ao hospital. À toa. Todos já viram o pior: ele está morrendo. E mal a viatura chega ao hospital, se confirma a morte. O pai quer saber quem atirou duas vezes pelas costas. O constrangimento dos policiais é geral. A certeza domina Novo Hamburggo. Foi um soldado quem fez os disparos. Ele alega "legítima defesa", mesmo com o garoto na hora da morte não estava sequer virado na sua direção. Em vez deste soldado Brigada Militar ter balas de borracha na sua arma, como seus companheiros, os projéteis eram comuns, letais. A situação ficaria ainda muito pior. Uma das balas mostrada pela polícia, como responsável pela morte do menino, foi trocada. Não é verdadeira, denuncia a equipe médica que recebeu o menino. O projétil mostrado deveria ter marcas de sangue, que não são fáceis de sair, depois que uma bala atravessa um corpo. Em vez de sangue, a marca é de concreto!

Foi terrível o que aconteceu em Novo Hamburgo. Logo na primeira rodada do Campeonato Gaúcho. Uma briga foi combinada entre a torcida organizada do time da casa, a Paranoia e a do time rival, o Aimoré, com nome em espanhol, Los Reys Del Barrio. O confronto teria sido marcado pela Internet. As duas torcidas são inimigas. Após a partida o conflito aconteceu perto da estação de trem Santo Afonso. As provocações, os xingamentos, logo viraram se transformaram em uma guerra de pedras e garrafas e paus. Atirados de um lado para o outro. A população assustada, ligou para a Brigada Militar. Mas os soldados já estavam chegando. Haviam recebido telefonemas de membros da Los Reys Del Barrio. Eles não esperavam que os rivais estivessem em tão grande número. A partir daí, as versões se contradizem. "Não havia ninguém armado. Tanto é que fomos nós quem pedimos a escolta. Tem uma rivalidade entre as duas torcidas, como acontece com a dupla Gre-nal. E foi por essa precaução que pedimos a escolta", diz a presidente da Reys, Monica Vieira. Sim, é uma mulher. Em entrevista à rádio Gaúcha, ela garante que não houve disparo algum por parte dos torcedores. Nos registros da Brigada Militar está registrado que os policiais foram recebidos à bala pelos torcedores. E só depois disso, passaram a atirar. Tudo fica ainda mais assustador, quando o delegado responsável pelo caso, Rogério Berbicz, confirma que os tiros foram dados em direção das pessoas que estavam em frente à estação. Poderiam atingir não só os torcedores como qualquer pessoa que quisesse tomar um trem ou estivesse passando. Uma irresponsabilidade sem tamanho. "Mesmo que tenha sido necessário o uso de armamento para intimidar as torcidas, não se justifica que os disparos tenham sido feitos contra a multidão", repetiu, várias vezes, Berbicz. O delegado também reclama de algo inconcebível. O soldado admitiu que disparou com balas comuns, e não de borracha, já foi identificado. Ele pertence ao 25º BPM de São Leopoldo. E sua arma foi recolhida. A sua munição será comparada com os projéteis que mataram o garoto Maicon Douglas de Lima pelas costas. A apresentação de uma bala que os médicos disseram não ser a verdadeira, já traz muitas suspeitas. O pior ainda aconteceu. Sua arma foi levada para o batalhão onde trabalha. E não para a delegacia, como exigia o delegado. Outros soldados também atiraram. Porém, com balas de borracha.

A Brigada Militar continua insistindo que foi recebida à bala. E os tiros que mataram Maicon, da torcida Paranoia, podem ter sido disparados da facção Los Reys Del Barrio. Só que os policiais não conseguiram encontrar arma alguma entre as duas torcidas envolvidas no confronto. Também ninguém se aprofundou na explicação da rapidez com que foi mostrada a bala que teria matado o garoto. Bala que não seria verdadeira, segundo os médicos. Maicon trabalhava. Ajudava o pai, Vítor Augusto de Lima, pedreiro. Tentou ser jogador do Novo Hamburgo. Não conseguiu. Então decidiu se juntar à organizada Paranoia e viajar com o time pelo Rio Grande do Sul. Não queria ser servente de pedreiro por toda a vida. Estudava. Era um adolescente sem passagens pela polícia. Sua morte entra para a estatística de 2015, como a primeira registrada envolvendo torcidas organizadas neste país sem lei. Da impunidade. Não bastassem vândalos continuarem marcando brigas pela Internet, trocando garrafadas, pauladas e tijoladas, agora há um novo elemento. Policias que, em vez de balas de borracha, colocam projéteis mortais. E os disparem em direção à multidão. Um garoto de 16 anos, por mais que não seja inocente, estivesse por querer em uma briga de torcidas, não merecia morrer. Ainda mais com dois tiros nas costas. Com o policial alegando "legítima defesa". Com uma bala apresentada pela Brigada Militar que os médicos contestam, juram não ser a verdadeira.

É muito descaso da autoridades brasileiras. A certeza de que para enfrentar criminosos, vândalos infiltrados nos estádios, há uma polícia despreparada. Sem o menor cuidado com vida humana. Não há um trabalho preventivo. De acompanhamento real das organizadas. O descaso governamental é cúmplice de mais uma morte. Mas, de verdade, quem se preocupa com um servente de pedreiro assassinado no interior do Rio Grande do Sul? No Brasil são 58 mil homicídios por ano. 80% dos assassinos não são descobertos. São mais cerca de 30 mil mortos no trânsito por ano neste país. Ou seja: mais de 80 mil pessoas morrem violentamente por aqui. Nos 13 anos de guerra ininterruptos na guerra entre Estados Unidos e Vietnã, foram 53 mil óbitos. Diante guerra civil que fingimos não enxergar, realmente, os mortos do futebol brasileiro não interessam a ninguém. Ainda mais membro de torcida organizada. Quem vai ser preocupar com as lágrimas do pedreiro Vítor? Apenas mais um pai a perder o filho assassinado neste país...





Fonte: Esportes R7
Autor: cosmermoli
Publicado em: 03 Feb 2015 11:24:14

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