sábado, 14 de março de 2015

Como a imprensa criou e depois massacrou Lulinha. O craque que valia 50 milhões de dólares no Corinthians. Interessava ao Real, Barcelona, Chelsea. E hoje tenta ganhar a vida no pequeno Red Bull...

Como a imprensa criou e depois massacrou Lulinha. O craque que valia 50 milhões de dólares no Corinthians. Interessava ao Real, Barcelona, Chelsea. E hoje tenta ganhar a vida no pequeno Red Bull...




Ser setorista, cobrir um clube de futebol era uma delícia. Entre os anos 80 até o começo dos 90 o jornalista que se dispusesse a trabalhar, não teria motivo para reclamar. Não havia Internet, o número de veículos era infinitamente menor. Assim como nem se cogitava a figura do "assessor de imprensa", na prática um censor, encarregado de pasteurizar as notícias. Deixar vazar só o que interessa ao clube. Havia uma fórmula ingênua até. Bastava chegar mais cedo e sair bem tarde. No estacionamento fazer campana, esperar os jogadores e técnicos chegarem. Não havia restrição. Ou então esperar o final do treinamento. O jornal que fechasse por último levava vantagem. Como trabalhei por 23 anos no Jornal da Tarde, as exclusivas eram feitas aos borbotões. O repórter de jornal tinha acesso ao gramado, nos últimos 15 minutos das partidas. E esperava os principais personagens para suas entrevistas. Todos os treinos eram abertos. Cansei de entrevistar jogador tomando banho, enquanto se vestia. Técnicos falavam por horas, até cansar. Era um exagero, reconheço. Mas a relação entre repórter e entrevistado era mais verdadeira, humana. Todos acumulavam declarações, histórias exclusivas. Uma que marcou a minha carreira foi de um torcedor que invadiu o vestiário do Corinthians, no Pacaembu. Era fácil torcedores entrarem e ficarem perto dos atletas. Ele esperou Viola passar por ele. E acertou um soco no rosto do jogador. E saiu correndo. Enquanto colegas entrevistavam o atônito Viola, fui atrás do agressor. Corremos pelo Pacaembu. A muito custo, aceitou falar. Me disse que havia saído da cadeia no dia anterior. E pela tevê viu Viola jogar a camisa do Corinthians no chão ao ser substituído. Jurou vingar a torcida. E por isso o soco no atleta. Ainda bem que ele não quis esfaquear o atacante. Era outra época, mais ingênua. Com grande grau de irresponsabilidade. Tudo foi mudando graças ao Palmeiras. Fruto do acaso. Acaz Felleger era repórter da TV Gazeta. Saiu de lá. Foi para o Sportv. Depois foi cobrir férias na TV Bandeirantes. Não havia vaga, ficou desempregado. A então chefe de produção, Sonia Peixoto, era muito amiga de Paulo Russo, gerente de esportes da Parmalat. Com origem ucraniana, Paulo Sevciuc, vinha do vôlei. E acreditava que precisava organizar o assédio dos jornalistas aos atletas, aos técnicos e à diretoria. Ele mesmo detestava dar entrevistas. Perguntou a Sonia se ela conhecia alguém que poderia trabalhar como assessor de imprensa do Palmeiras. Ela indicou Acaz.

Fascinado pelo controle, disciplina imposta pelos grandes clubes italianos como Milan, Inter, Juventus, Acaz foi pioneiro. Com mão de ferro, apoio total de Paulo Russo, do presidente Mustafá Contursi e de Luiz Felipe Scolari, o assessor de imprensa mudou radicalmente a relação entre os jornalistas e atletas. Aos poucos, tudo foi ruindo para os setoristas. Nada de acesso ilimitado ao clube e aos jogadores. Eles só falariam depois dos treinos. Assim como o técnico. Acaz ia acompanhando e copiando o que acontecia na Itália. Logo apenas três passaram a falar. A imprensa escolhia. O treinador passou a falar na véspera do jogo do meio da semana. E na sexta-feira. Logo, o trio que falava passou a ser escolhido por Acaz. E se houvesse qualquer polêmica envolvendo um jogador, o assessor não o deixava falar. Ao mesmo tempo, a Internet chegou. Os veículos se multiplicaram. As coletivas passaram a ser formais. Na sala de imprensa. Gravada pelo clube. Tentando que ninguém tivesse uma notícia exclusiva. Os jogadores passaram a ser proibidos de falar com os jornalistas por telefone. "Brasil é do muro da academia para fora. Aqui é Europa", era a filosofia de Acaz. Tanto radicalismo provocou a ira de emissoras de tevê, rádios, jornais. Pressionado, principalmente pela Globo, Mustafá Contursi o demitiu. Luiz Felipe Scolari foi solidário. E o contratou como assessor de imprensa. Logo outros jogadores palmeirenses seguiram o mesmo caminho: César Sampaio, Alex, Asprilla, muitos outros. Para entrevistá-los de maneira exclusiva, só com a liberação do assessor.

Acaz seguiu sua vida. Mas o que fez no Palmeiras se espalhou. Foi imitado por outros clubes brasileiros. Hoje a rotina nas equipes grandes, médias e até pequenas é a mesma. Treinamento e a escolha pela assessoria de um atleta só para dar entrevista coletiva. Nunca há menos de 30 jornalistas em clubes como São Paulo, Palmeiras, Corinthians. Cada repórter tem o direito de fazer apenas uma pergunta. Sem direito a réplica. Por isso muitas vezes o jornalista acaba humilhado em uma resposta. Não é que se cale. Mas o microfone já está longe das suas mãos. Fica impossível ao jornalista se explicar. A situação é proposital, para intimidar questionamentos mais fortes. Fora isso, é comum assuntos serem proibidos antes da coletiva começar. Assessores avisam que nem adianta perguntar. Na maioria das vezes, o jogador ou o técnico não sabe o nome do setorista e nem quer saber. A relação é fria, superficial. De propósito.

Esse histórico não é em homenagem a Acaz. Muito pelo contrário. Mas para lembrar do fenômeno Lulinha no Corinthians. Seguindo o revezamento no JT, eu estava no Corinthians em 2007. As notícias eram ruins. O time estava empacado, não rendia. Caminhava para o rebaixamento. A assessoria de imprensa precisava criar fatos novos, que desviasse a atenção da imprensa. "Vocês sabem que na base há um garoto que já marcou quase 300 gols na base? Joga na Seleção Brasileira de base. Foi sondado pelo Chelsea, pela Inter de Milão, Barcelona, Real Madrid. Seu nome é Lulinha", disse um dos assessores da época. E saiu de perto, com certeza se divertindo do burburinho que provocou. O foco do time ruim que cairia para a Segunda Divisão não existia mais. Pelo menos por semanas. Os jornalistas, já enclausurados pela assessoria de imprensa, ficaram ensandecidos. Nascia um fenômeno no Parque São Jorge, no clube mais popular do estado mais rico do Brasil. Com o apelido do presidente da República, que tinha mais de 70% de aprovação. Era a certeza de manchetes, capas de jornal, matérias de cinco minutos em horário nobre na tevê, nos rádios.

Seu empresário era ninguém menos do que Wagner Ribeiro, o homem de Kaká e Robinho. Era o aval que todos precisavam. Na pressa, só contaram os números. Ninguém checou como foram as atuações de Luis Marcelo Morais dos Reis. Foi uma idolatria sem razão de ser. A diretoria do Corinthians acreditou ter ganho na loteria. Acertou um contrato de cinco anos e fixou sua multa rescisória em 50 milhões de dólares. Chegou à disputa do Panamericano no Rio de Janeiro exigindo a camisa 10. Luiz Antonio Nizzo, o treinador, cedeu. A campanha da Seleção foi ridícula, eliminada na primeira fase. Nizzo hoje treina o Crac de Catalão, interior de Goiás. Da mesma maneira que os jornalistas o transformaram em fenômeno, Lulinha acabou apontada na maior decepção já nascida nesta terra. Não conseguiu salvar o Corinthians do rebaixamento. Mano Menezes o desprezou de forma cruel. O bom para ele era Dentinho. O "fenômeno" virou reserva do reserva. Passou a ser evitado pelos jornalistas, como se tivesse uma doença contagiosa. Lulinha não tinha a menor condição psicológica para suportar tanta pressão.
Vagner Ribeiro o lembrava de cem razões para aguentar. Eram R$ 100 mil mensais por cinco anos. R$ 6 milhões garantidos. Excelente prêmio de consolação para o jogador e sua família simples.Lulinha passou a ser emprestado. Com o Corinthians pagando a maior parte de seus salários. Estoril, Olheanense de Portugal, Bahia. Fracassou em todos os clubes. Em 2012 acabou seu contrato e não rendeu um centavo ao Corinthians. Ainda não se fixou em lugar algum. Foi para o Fortaleza, Criciúma, voltou ao Ceará. Hoje está no Rede Bull, que a Globo chama de RB. E enfrenta o Corinthians no Itaquerão. Aos 24 anos, depois de passar por uma enorme e previsível depressão, Lulinha tenta seguir sua carreira. Não tem a menor noção de que foi uma das grandes vítimas da manipulação da imprensa. Efeito colateral do controle dos assessores de imprensa no futebol. Por afobação todos os jornalistas caíram no "conto do Lulinha". Sem exceção. Eu incluído. A vingança foi terrível. O garoto foi pisado, ridicularizado por não corresponder a expectativa que assessores e empresário criaram. Ele não teve culpa de não ser o craque que todos esperavam. Não pediu tanta exposição. Quando Lulinha pisar no Itaquerão torcedores vão olhar admirados, decepcionados, pensando onde foi parar a maior esperança da base corintiana nas últimas décadas. Luiz Marcelo Morais dos Reis é apenas um exemplo dos novos tempos. Da notícia pasteurizada, oficial, repassada pelo próprio clube a jornalistas amarrados, cerceados, presos à coletivas vazias, rasas, que não levam a nada. Mera repetição de uma "dica" passada por assessores de imprensa, pagos para divulgar o que interessa ao clube. Desviar o foco dos pecados. Como o caminho para a Segunda Divisão. Como aconteceu no Corinthians. Diante do erro de avaliação do repórter, a cobrança do editor. Com ele, a raiva do jogador que não vingou. A revanche surge em forma de ironia, perseguição. A conta ficou para Lulinha, Kerlon, Keirrison, Jean Chera, Tartá, Erick Flores, Lenny e tantos outros. Quando não eram mais problema dos assessores de imprensa. Aqueles mesmos que confidenciavam serem espetaculares revelações...




Fonte: Esportes R7
Autor: cosmermoli
Publicado em: 14 Mar 2015 13:27:21

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