Teresópolis... "Desculpe minha mão gelada. É o frio. E também nervosismo." A sinceridade de Rogério Micale foi chocante. Ele revelava aos jornalistas o quanto foi difícil dar sua primeira entrevista coletiva na Granja Comary, na reta da preparação para a Olimpíada. Ele nunca havia dado uma entrevista tão importante na vida. Aliás, sua existência mudou completamente. Pela primeira vez também tinha falado com Neymar e não escondia sua alegria. Micale passou 17 anos trabalhando quase incógnito na base, com garotos. O foco do jornalismo esportivo é voltado aos times grandes. Mesmo seleções brasileiras que não sejam a principal acabam sendo desprezadas. Micale só teve uma experiência com o futebol profissional. E não deixou saudades. Ele treinou o Grêmio Prudente. E durou dois jogos. Sim, duas partidas. Perdeu para o São Bernardo por 3 a 1 e para o Paulista por 2 a 1. Acabou sumariamente demitido. A alegação da diretoria, na época, é que ele não tinha o perfil para trabalhar com homens, só com garotos. E ele voltou para os meninos. Foi para o sub-20 do Atlético Mineiro e colecionou títulos. Acabou escolhido para o lugar de Gallo na seleção sub-20. Entrou no lugar do treinador que frustrou equipes grandes e poderosas na convocação para o Mundial de 2015, na Nova Zelândia. O cargo caiu no colo de Micale. Ele foi e fez excelente trabalho. Conseguiu o vice-campeonato, fazendo o Brasil atuar de forma ofensiva, moderna, intensa. Tinha o controle dos garotos.
Seu desempenho foi tão bom que Gilmar Rinaldi e Dunga determinaram que ele faria todo o trabalho de observação. E ficaria com a seleção olímpica. Até quando os Jogos do Rio começassem. Aí, se tornaria mero auxiliar. Dunga conduziria o time. Mas não deu tempo. O vexame na Copa América Centenário foi grande demais e Dunga acabou demitido. A decisão ficou para Tite. E ele decidiu que Micale seria o treinador na Olimpíada. Decisão correta e esperta. De repente, Micale saiu do ostracismo. Virou centro das atrações. E já com duas obrigações. A primeira, ganhar o ouro olímpico, meta inédita no futebol brasileiro. E a segunda, amaciar Neymar. Fazer com que o jogador faça fundamental transição. Que se comporte com a camisa do Brasil com a mesma solidariedade e espírito coletivo que joga no Barcelona. Sua primeira medida foi telefonar para Neymar ainda na semana passada. Falar ao jogador o que ele queria ouvir. Que é essencial à Seleção, que precisa muito dele, assumiu a dependência do atacante. Foi extremamente humilde.
Essa é uma postura comum e que costuma ser traiçoeira na transição dos treinadores de base para o profissional. Principalmente com essa geração mimada. E Neymar é o principal representante de uma novo tipo de atleta: o jogador/celebridade. Micale decidiu. Não haveria discursos, defesa da hierarquia. Nada disso. Ele assumiu a extrema necessidade do jogador do Barcelona para sonhar com a conquista da medalha de ouro. "Eu quero ser dependente do Neymar. Que treinador não quer o Neymar no time? Que ele esteja bem, que consiga fazer o que faz com excelência. A situação que se discute em cima do Neymar eu discordo um pouco disso. Quero Neymar feliz pra jogar. E quanto mais qualidade e individualidade tivermos, mais ele vai ser forte, mais importância ele vai ter. Neymar é um grande jogador, merece todo o respeito, desequilibra jogos. O que puder explorar do Neymar eu vou fazer." Durante a coletiva de 35 minutos, Micale falou 14 vezes a frase que resume seu maior desejo enquanto durar a Olimpíada. "Quero ver o Neymar feliz." E a primeira questão é a faixa de capitão da Seleção Olímpica. Dunga e Gilmar não queriam mais que Neymar seguisse com o privilégio. Mas os dois foram embora. Micale e Tite têm outra maneira de enxergar a questão. Com eles, o atacante do Barcelona nada fez que reprovável. Até porque não jogou sob o comando da dupla.
Está mais do que transparente que Neymar só não será capitão se não quiser. A decisão ficará com ele. Se exigir, Fernando Prass, o favorito para herdar a faixa, não reclamará. O veterano goleiro de 38 anos sabe o quanto a Seleção precisa do atacante. Micale revelou que teve uma conversa pessoalmente com o jogador, assim que ele desembarcou em Teresópolis, ontem. Em um carro com os vidros escurecidos para que os dezenas de jornalistas e fotógrafos não o enxergassem. "O bate-papo foi excelente, de pessoas que se conheceram. Tive impressão melhor ainda do que esperava. Vi um atleta extremamente motivado, que tem ciência do que representa essa competição para ele, para todos nós. Ele quer ajudar da melhor forma possível e se colocou à disposição para qualquer situação. É o grande nome do futebol brasileiro e demonstrou o grande jogador que é" Não era possível um treinador ser tão submisso diante de um atleta. Como não parava de repetir o tal desejo de felicidade de Neymar, veio a pergunta óbvia. Como faria o camisa 10 da Seleção tão feliz. "O que traz felicidade a qualquer área é ter um bom ambiente de trabalho, se sentir bem ali. O segundo passo é essa troca de ideias. Faz parte. Aqui não existe o Rogério atrás de um objetivo, e o Neymar, atrás de outro. São os dois atrás do mesmo objetivo. O que eu puder conversar para chegar no mesmo objetivo, por que não fazer? Essa questão de hierarquia entre técnico e jogador... Desde que você tenha objetivo em comum, por que não conversarmos para tentar minimizar os erros para melhorar o processo e conseguir isso?" O baiano de Salvador, Mário Rogério Reis Micale, assumiu o que todos os treinadores da Seleção Brasileira já foram. Depois de Mano Menezes, Felipão, Dunga. Ele é apenas mais um refém de Neymar. Pior. Não poderá dar o desejado salto. Deixar de treinar meninos e assumir clubes profissionais. A medalha de ouro lhe daria respaldo. Todo seu conhecimento teórico de futebol mostra o óbvio. Se Neymar não sorrir na Olimpíada... O Brasil não vai sorrir. Micale voltará aos garotos. E ao ostracismo...
Fonte: Esportes R7
Autor: cosmermoli
Publicado em: 19 Jul 2016 16:53:07
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