domingo, 11 de janeiro de 2015

Exclusivo. A dor e a indignação de Valério Luiz Filho ao ver aclamado, aplaudido de pé, o novo presidente do Atlético Goianiense. O homem acusado de haver mandado matar seu pai...

Exclusivo. A dor e a indignação de Valério Luiz Filho ao ver aclamado, aplaudido de pé, o novo presidente do Atlético Goianiense. O homem acusado de haver mandado matar seu pai...




2015 começa com o mundo chocado com a morte dos jornalistas da revista francesa Charlie Hebdo. Extremistas enlouquecidos invadiram a redação e, com tiros de fuzis, mataram 12 jornalistas e dois soldados. O motivo: as charges contra a religião muçulmana. Os assassinos foram caçados e mortos. Os protestos dominaram a França, o planeta. Muitos brasileiros se revoltaram diante do crime bárbaro contra a liberdade de expressão. Principalmente nas redes sociais. Muitos postam com muito orgulho "Je Suis Charlie Hebdo". O que é louvável. Mas algo terrível também aconteceu no Brasil. Com consequência absurda. E muita gente faz questão de não enxergar. O caso acontece na elite do futebol brasileiro. Nesta quarta-feira, Mauricio Sampaio assumirá a presidência do Atlético Goianiense. Foi aclamado, aplaudido. Não houve sequer chapa de oposição. Mas quem é Maurício Sampaio? "Ele é apontado pela polícia de Goiânia como o principal suspeito de um crime bárbaro. Foi preso três vezes de forma preventiva. De acordo com investigações, ele teria sido o mandante do assassinado do jornalista esportivo Valério Luiz. O cronista foi morto depois de receber sete tiros logo após sair da Rádio Jornal AM. Um motoqueiro fez os disparos em plena luz do dia, às 14 horas. No dia 5 de julho de 2012. Valério Luiz já estava proibido de entrar no Atlético Goianiense. Ele e os dois veículos de imprensa onde trabalhava. Os motivos: fortes críticas e questionamentos em relação à diretoria do clube. A gota d"água teria sido declarações feitas dois dias antes de sua morte, na televisão. Foi bem claro em relação a patrocinadores "tenebrosos" do clube, envolvidos em escândalos financeiros. Insinuou que, no clube, haveria dinheiro de Carlinhos Cachoeira, empresário acusado de jogo do bicho, crime organizado e corrupção política. O jornalista foi além. Disse que quem colocou dinheiro no Atlético Goianiense foi "em passes de atletas, para tirar (com lucro) depois". Foram, porém as frases no final de sua participação na tevê, que teriam provocado o crime. "Meu amigo, você pode ver em filme de aventura. Quando o barco está enchendo de água, os ratos são os primeiros a pular fora." O recado teria endereço certo. Sampaio havia acabado de se afastar da diretoria do clube." Depois de oito meses de investigação foi divulgado o inquérito feito pela polícia goiana. O comerciante Urbano de Carvalho Malta teria contratado o cabo da Polícia Militar Ademá Figueiredo e o açougueiro Marcus Vinícius Pereira Xavier para matar o jornalista. O sargento Djalma da Silva da Polícia Militar acabou indiciado por atrapalhar as investigações, ameaçado Marcus Vinicius. Urbano morava de favor em uma casa que pertencia a Mauricio Sampaio. Ela ficava em frente à rádio Jornal AM. De acordo com o inquérito, ele acompanhou o crime. E teria até verificado se Valério estaria mesmo morto. De acordo com as investigações dos policiais, teria sido o cabo Ademá quem teria disparado os tiros. Marcus Vinícius emprestou sua moto e teria ajudado no planejamento do assassinato. Todos os cinco envolvidos chegaram a ser presos preventivamente. Inclusive Mauricio Sampaio. Marcus Vinícius confessou. Aliás, fez duas confissões. Na primeira, disse que não sabia de nada. Na segunda, porém, foi direto. Garantiu que, na primeira vez havia mentido. Por medo. Segundo ele, os policiais envolvidos, Djalma e Ademá, haviam ameaçado matar sua família. Ele também seria assassinado na cadeia, caso dissesse ter agido a mando do empresário. O açougueiro só teria mudado seu depoimento após a prisão dos PMs. Os advogados de Mauricio Sampaio afirmaram que a Polícia Civil errou. E que seu cliente é inocente. Alegam que a investigação partiu do principio que Sampaio era culpado. Não houve outra linha de investigação. O dirigente falou o mínimo possível publicamente sobre o caso. Mas chegou a dizer que era inocente. E estava sendo acusado por pessoas interessadas em ficar com o cartório, que é dono."

Tudo isso publiquei no blog no dia 30 de dezembro de 2014. Tinha a esperança que a candidatura fosse retirada. O bom senso indicava que a direção do Atlético Goianiense esperasse o julgamento popular de Sampaio. Não há como assumir o principal cargo de uma instituição tradicional com esta sombra. Porém os dirigentes do clube fizeram de conta que nada importava. A não ser ter alguém para enfrentar as dívidas. A diretoria aclamou, como novo presidente, uma pessoa acusada de mandar matar um jornalista que o questionava. Inocente, que alega ser, Sampaio deveria se livrar primeiro da terrível acusação. E só então assumir um cargo tão importante para o futebol goiano. Aceitando antes do julgamento, acaba por expor de maneira absurda o clube que diz amar. A situação é indecente. Pensei na dor da família. A tristeza por Valério Luiz, brutalmente fuzilado. Pedi para o filho do jornalista escrever um texto, revelando como tudo aconteceu do seu ponto de vista. E a sensação de ver o acusado de mandar assassinar o próprio pai assumir a presidência do Atlético Goianiense. Aplaudido de pé por conselheiros. O filho não se limitou ao terrível luto. Ele mergulhou no processo. Seu empenho como advogado o tornou assistente de acusação contra o bárbaro crime que vitimou seu pai. Entre elas, evidente, Mauricio Sampaio, o novo presidente do Atlético Goianiense. Só que não chegou apenas o texto especial ao blog. Ele veio, expondo a situação. Assim também como uma carta de desabafo que ele havia escrito ao pai, após o assassinato. Faço também questão de reproduzir. Muito obrigado pela coragem e generosidade, Valério Luiz de Oliveira Filho...

"Dia 05 de julho de 2012. Eu estava esperando meu pai chegar do trabalho para discutirmos sobre alguns clientes que havíamos conseguido. Ele estava ajudando na recém-iniciada carreira de advogado do filho e falava em abandonar o jornalismo. O programa “Debate Esportivo”, da Rádio Jornal 820 AM (atual Rádio Bandeirantes 820 AM), terminava por volta das 14h00. Dez minutos depois, via de regra, o Ford Ka preto já apontava lá em casa e o dono descia com seu tênis cinza e suas meias levantadas até as canelas. Naquele dia, porém, estava atrasado. Às 14h22, meu celular toca. Era Lorena, minha madrasta, desesperada: “Valerinho, pelo amor de Deus, vem aqui pra porta da rádio que seu pai tomou um tiro”. A ligação caiu. Disquei então para Pedro Gomes, administrador da rádio, que perguntou onde eu estava. “Em casa”, respondi. Pedro se prontificou a enviar um carro para me pegar, porque, e o plural usado foi perturbador, meu pai “havia levado uns tiros”. Quando o Fiat/Uno plotado chegou, sentei no banco do passageiro e a coordenadora financeira da Jornal 820, que estava no banco de trás, passou a mão pelo meu ombro, em sinal de condolência. Naquele momento, imaginei o pior. Pessoas me ligavam, mas não diziam nada específico, só perguntavam se estava tudo bem. O carro não conseguiu virar na rua da rádio, devido à grande aglomeração de gente. Desci na esquina e continuei o trajeto a pé. À medida que ia me aproximando da esquina seguinte, aparecia a cena que mudaria minha vida para sempre: o Ford Ka preto parado na diagonal, com as duas portas abertas, os vidros crivados de balas e o pé do meu pai, com seu tênis cinza e a meia levantada, pendendo para o lado de fora. Não tive coragem de me aproximar, de ultrapassar as faixas amarelas já apostas. Fiquei parado, incrédulo, como se aquela imagem fosse a película de um filme prestes a se dissolver. “Nosso pai morreu, Laura”, foi o que precisei dizer à minha irmã mais nova, quando me ligou logo depois. Meu avô, chegando ao local, gritava e insistia para chamarem uma ambulância. Avisaram-no que era tarde demais, e senti o peito dele explodir feito uma bomba: “Mataram meu filho!”. O choro e os brados vindos daquela voz poderosa, de veterano radialista, marejavam os olhos e estampavam nos rostos de todos a mesma consternação: “Como as coisas chegaram a este ponto?”. Eu continuava em silêncio, olhando fixamente o pé do meu pai pendendo daquele carro baleado, e dentro de mim crescia a certeza de que, quem quer que fizera aquilo, iria pagar. Foram meses e meses de investigação policial, de luta, de agonia. Fizemos protestos pelas ruas de Goiânia, em jogos nos Estádios, nos reunimos com autoridades, tudo para cobrar a elucidação do caso. Eu já estava com uma petição pronta para o Ministério Público Federal quando, em primeiro de fevereiro de 2013, recebi a notícia das primeiras prisões temporárias. Corri pra delegacia. Ouvi sobre uma espécie de despachante e motorista, Urbano Malta; um sargento da Polícia Miliar, Djalma da Silva; e um açougueiro, Marcus Vinícius. No dia seguinte, era preso Maurício Sampaio, ex-Vice-Presidente do Atlético Clube Goianiense e um dos homens mais poderosos de Goiás.

Quando o inquérito finalmente se tornou público, a fria precisão da trama assustou a imprensa goiana: Maurício Sampaio contava com a amizade de alguns dos policiais militares mais violentos do Estado. Entre eles, Djalma da Silva e Ademá Figuerêdo, que faziam sua segurança pessoal durante os jogos no Serra Dourada. Urbano Malta era funcionário de Maurício, cuidava de caminhões deste e resolvia problemas atinentes ao grande cartório então controlado pelo patrão na capital. Da Silva conseguiu a arma, e Urbano habilitou, três dias antes do crime, dois celulares pré-pagos no CPF de um cheque de terceiro, um desavisado com quem mantinha negócios. Um dos telefones e a arma foram guardados no açougue de um amigo de Da Silva, Marcus Vinícius, pois o estabelecimento é próximo à rádio. No fatídico dia 05 de julho de 2012, então, Figuerêdo foi deixado no açougue de Marcus por uma viatura descaracterizada, pegou a arma, uma moto do açougueiro e seguiu rumo à emissora. Urbano, portando o segundo celular, estava de tocaia: ele se mudara algumas semanas antes para um imóvel, de propriedade de Sampaio, bem em frente à 820 AM. Precisamente às 13h59min17s, Urbano ligou para Figuerêdo, que já esperava a uma esquina de distância, e avisou da saída de Valério Luiz. Sem hesitar, o PM entrou pela rua Teixeira de Freitas, diminuiu a velocidade, emparelhou a moto com o carro do jornalista, e disparou seis vezes. Tenho calafrios ao lembrar que, pelo apurado, Urbano até abriu a porta do carro para checar se meu pai estava morto. Da Silva foi ao velório, de madrugada, quando ainda havia pouca gente, e ficou encarando o corpo. Figuerêdo até já respondia a processo por uma chacina em Aparecida de Goiânia, quando teria matado uma criança de quatro anos com um tiro na nuca. E Maurício Sampaio, bem, faturava mais de dois milhões por mês no cartório, contando com prestígio nas altas rodas da sociedade e do poder goianos. Ninguém imagina a sensação de revolta e impotência no meu coração. Marcus Vinícius confirmou que o mandante do crime foi mesmo o patrão de Urbano, Maurício Sampaio. Nos meses anteriores à execução, meu pai tecera ácidas críticas à administração do Atlético. Revelara, entre outras denúncias, que Maurício pagava torcedores para picharem os muros da sede com insultos a jogadores e dirigentes dos quais não gostava; que tentava comprar resultados de jogos no Campeonato Brasileiro; que colocava dinheiro no Clube para retirar em passes de jogadores depois e que os patrocinadores do time eram todos envolvidos em escândalos (à época, Linknet e Delta Construções). Por fim, quando Sampaio decidiu afastar-se do cargo, Valério declarou que “quando o barco está afundando, os ratos são os primeiros a pular fora”.

Após tudo isso, e com a ação penal já em vias de ser mandada a Júri Popular, o Atlético Clube Goianiense aclama Maurício Sampaio como seu Presidente Executivo para o biênio de 2015/2016. Ao serem questionados por jornalistas, os Conselheiros e a Diretoria afirmaram “não ter relevância” o fato de Sampaio responder pelo assassinato de Valério Luiz. Tentam dissociar o “Maurício pessoa” do “Maurício dirigente”. Ora, a instituição é maior que os indivíduos e seus problemas pessoais, claro, mas como ignorar que, segundo a Polícia Civil e o Ministério Público, o Presidente do Atlético mandou matar um jornalista por causa das críticas que sofria quando era Vice-Presidente do mesmo Clube? Não podemos dar de ombros para o maior atentado à imprensa e à liberdade de expressão já visto em Goiás. A atuação jornalística e a morte do meu pai escancararam as relações escusas que o futebol trava com o poder, com o dinheiro e com a corrupção. Lutamos para que os réus sejam julgados e que, após a condenação, qualquer coronel pense duas vezes antes de pegar a carabina por causa de um microfone. Lutamos para que os jornalistas, classe à qual pertence toda a minha família, possam ser coesos não somente entre frases de textos, mas também na criação de uma cultura pela qual não se engula em seco por nada e nossa voz ecoe alta, clara, destemida." Valério Luiz de Oliveira Filho, advogado e assistente de acusação no processo que julga a morte de seu pai, Valério Luiz de Oliveira... CARTA AO PAI ""O mundo não era digno deles", diz Hebreus 11, 38 sobre diversos servos fiéis de Deus. Era um dos textos preferidos do meu pai, morto há exatos dois anos por analfabetos de espírito que não conseguiriam soletrar "dignidade". Nesta vida é necessário mentir, fingir que não se sabe, ser conivente com o mais forte. Lá em casa, porém, vigorava o ensinamento bíblico "deixe que seu "sim" signifique "sim" e que seu "não" signifique "não"". Quanta frustração quando, adulto, percebi ser impossível seguir uma máxima tão límpida... Meu pai a seguia mesmo assim. As pessoas encaram a moralidade como uma simples obediência a normas externas que, na maioria das vezes, sequer pararam pra pensar a respeito: constituem família, pagam impostos e só por isso se julgam morais. Mas não meu velho. Nele eu enxergava o único traço que considero verdadeiramente moral: o incontornável compromisso consigo mesmo e com o que se acredita, o sentimento do trabalho como uma espécie de chamado secreto, mais importante que qualquer relação pessoal. Ao passo que somos vigiados pra nos comportarmos dessa ou daquela forma, apenas aos nossos próprios olhos, particularmente, são visíveis os princípios íntimos, por isso é cômodo passar por cima destes pra agradarmos gregos e troianos.

Por sorte existem homens que, quando pressionados a abandonar uma convicção, sentem vir de dentro uma voz gritando "não" e precisam obedecê-la, por mais que signifique ruína. Isso se chama nobreza. Ser nobre é viver segundo a consciência de que é preferível estar morto a não poder ser o que se é.

E você era irrepreensível, pai. Lembro com muito orgulho das dificuldades que passamos, como quando eu o via sair todos os dias de bicicleta do Jardim América pra trabalhar no Parque das Laranjeiras, quando o salário atrasava três meses e sobrevivíamos de comprar fiado na venda do senhor Isaías, ou quando a casa estava em reforma e dormíamos na cozinha.

Nossas principais discussões nunca foram sobre notas no colégio, chegar tarde em casa, mas sobre ressurreição e uma segunda vida. Eu o magoava com minha incredulidade, jamais esquecerei de ouvi-lo explicar que não lhe restava outra opção além dessa fé, pois, se esta vida presente fosse tudo, melhor seria abandoná-la.

Consigo entender. E homens como você, firmes feito pedra inamovível, são os que fornecem esperança contra os caprichos e perversões dos poderosos. No entanto, a Terra não merece aqueles que lhe dão esperança.

Alguns funcionários da Rádio Jornal 820 AM disseram que o viram respirar por uns cinco minutos após os tiros. Já gastei várias noites imaginando o que se passou na sua cabeça durante aqueles instantes. espero que não tenha se preocupado comigo e com minhas irmãs, porque somos fortes e ficaremos bem.

Espero que não tenha se lembrado das coisas que ainda gostaria de fazer ou pensado nos desgraçados que puxaram o gatilho: enlouquece-me cogitar que sua última sensação tenha sido uma agoniante mistura de raiva e impotência.

E, principalmente, espero que não tenha sentido medo. Qual o sentido de viver em fé e renúncia, como um bom cristão, pra ter confiança frente a morte, se esta chega pelas costas, sorrateira, sem dar chance a nada além do espanto e do pavor?

Não, não foi assim. Você imaginou o paraíso para o qual enfim seria mandado e de onde riria do meu ceticismo. Imaginou que um dia eu também chegaria lá, risonhamente sem graça, nos abraçaríamos e então entraria de novo no meu nariz seu cheiro de pai.

A selvageria deste mundo seria passado, um sonho estranho do qual acordamos, e finalmente passaria pela minha cabeça as palavras de Isaías 65, 17: "Eis que crio novos céus e uma nova terra; e não haverá recordação das coisas anteriores, nem subirão ao coração..."



Fonte: Esportes R7
Autor: cosmermoli
Publicado em: 11 Jan 2015 11:57:17

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