sábado, 31 de janeiro de 2015

Palmeiras acolhe, com orgulho, Aranha. O goleiro negro que teve a coragem de enfrentar o racismo. Não só de alguns gremistas, como até de próprios santistas. Um exemplo neste país tão hipócrita...

Palmeiras acolhe, com orgulho, Aranha. O goleiro negro que teve a coragem de enfrentar o racismo. Não só de alguns gremistas, como até de próprios santistas. Um exemplo neste país tão hipócrita...




"O Aranha se precipitou em querer brigar com a torcida. Se eu fosse querer parar o jogo cada vez que me chamassem de macaco ou crioulo, todos os jogos iriam parar. O torcedor grita mesmo. Temos que coibir o racismo. Mas não é num lugar publico que você vai coibir O Santos tinha Doval, Coutinho, Pelé… todos negros. Éramos xingados de tudo quanto é nome. Não houve brigas porque não dávamos atenção. Quanto mais se falar, mais vai ter racismo." Essas foram as palavras de Pelé, condenando a atitude de Aranha. O melhor jogador de todos os tempos pregava a surdez, a omissão diante dos racistas. Nada de confronto. Se os negros norte-americanos e sul-africanos pensassem assim, ainda estaria segregados a lugares longe dos brancos. Ônibus, banheiros, bebedouros, restaurantes, piscinas, elevadores. Sem direito inclusive a votar. Os casamentos "mistos" seriam crimes. Um negro fazer amor com sua namorada ou noiva poderia ser considerado estupro. Essa era a lei em várias partes dos Estados Unidos e África do Sul há menos de 50 anos. Não fosse pela revolta de pessoas como Mandela ou Martin Luther King, o racismo ainda prevaleceria.

Era esse o pensamento de Aranha ao se rebelar na partida contra o Grêmio, em Porto Alegre, no dia 28 de agosto do ano passado. Resolveu chamar o árbitro, também negro, Wilton Pereira Sampaio. E apontou para os torcedores gremistas que o xingavam de macaco, preto fedido e outras injúrias raciais. Os gritos eram captados pelos microfones e as câmeras focalizaram Patricia Moreira da Silva, loira, mostrando todo o ódio que reservava ao goleiro santista. As sílabas saíam com fel de sua boca "Ma-ca-co". O árbitro fingiu que nada ouvia e exigiu que a partida recomeçasse. Uma atitude que combinaria com Pelé. Aranha já tinha sido detido pela polícia de Campinas quando jogava na Ponte Preta. Seu crime, ser negro e estar em um carro parado. Os policiais exigiram que saísse do carro. "Falaram que era para eu ficar quieto, que eu era suspeito. Me algemaram, deitaram no chão, queriam saber de arma, mas eu não tinha nada. Tomei um tapa, um chute. Tenho a marca aqui, acho que é a bota do policia." O caso aconteceu em 2005 e foi arquivado.

O goleiro nunca se conformou com a omissão dos negros que jogam futebol. E que aceitam ser xingados de macacos. Cansado, decidiu que havia chegado a hora de dar um basta. Expôs parte da torcida gremista. Acreditou que teria retaguarda no Santos. Um clube grande. O mais conhecido fora do Brasil. Aquele que teve o melhor do mundo. Pois o apoio foi relativo. Parou na área esportiva. Depois de "intensa" investigação, a polícia gaúcha chegou a Patricia Moreira, Eder Braga, Fernando Ascal e Ricardo Rychter foram identificados. Quatro torcedores apenas. Eles correram o risco de pegar de quatro a um ano de prisão. Havia testemunhas e, no caso de Patricia, filmagem. Mas em vez disso, a legislação foi suave. Fez com que apenas tivessem de comparecer à uma delegacia por dez meses, no horário em que o Grêmio estivesse em campo. O "quarteto fantástico" pôde até se recusar a usar uma tornozeleira eletrônica que denunciaria onde estivessem. Lógico que a sentença foi ridícula. Um incentivo a quem carrega o racismo no peito. A sociedade brasileira perdeu uma oportunidade de ouro. Ao contrário até. Mostrou como é permissiva. E que não é por acaso que na maioria dos filmes de Hollywood, os bandidos querem fugir para cá. É a terra da impunidade. Tudo o que a justiça fez foi tranquilizar os racistas. Por isso de nada serviram os casos de Tinga, Arouca, o árbitro Márcio Chagas -- que abandonou a carreira, cansado com o preconceito, Assis do Uberlândia, Francis do Boa Esporte, em 2014. O ano da graça de 2015 começa com o desprazer de testemunhar a revolta de Fabiana, bicampeã olímpica de vôlei.

"Ele "tava" xingando, "tava" me insultando o tempo inteiro. Toda vez que eu ia pro saque, ele gritava, "olha a macaca, joga a banana pra macaca"." Fabiana, chorando, acusou e identificou Jefferson Gonçalves de Oliveira. Ele, torcedor do Minas na partida contra o Sesi de São Paulo. A partida aconteceu no dia 27 de janeiro. Testemunhas, fãs do próprio Minas, confirmam as ofensas. Na delegacia, Jefferson negou e disse que a chamou de "africana". E saiu tranquilamente depois de seu depoimento. Assustada, Fabiana não prestou queixa contra ele. Parece não querer enfrentar o desgaste de um processo. Quanto a Aranha, o jogador percebeu que depois do caso de racismo, seu espaço diminuiu no Santos. Muitos conselheiros se voltaram contra ele. Acreditaram que expôs o Santos desnecessariamente. Dificultou a relação com o Grêmio que sempre foi excelente. Sentia que o clima mudou. De repente, só se falava em contratar um novo goleiro. Quando vieram os quatro meses de salários atrasados, 13º e direito de imagem. Decidiu entrar na justiça para receber o que tinha direito.

Foi quando aconteceu o pior. Um grupo de torcedores santistas no Facebook fez o inesperado. Usou ofensas racistas para atacá-lo por entrar na justiça contra o clube. Aranha foi chamado insistentemente de macaco. Um absurdo. Em gremistas radicais, torcedores adversários, a atitude já era inaceitável. Quando próprios santistas apelavam para ofensas racistas, tudo se tornou ainda mais deprimente. Mas o Santos não protestou. Fez questão de ignorar. O que deu mais a certeza ao jogador que era hora de sair. Não jogaria nunca mais na equipe com racistas infiltrados. Oswaldo de Oliveira se solidarizou com as "injúrias raciais" contra Aranha. E gostava do seu futebol. Pediu a sua contratação para a reserva de Fernando Prass. Acredita que um dos maiores erros de 2014 foi o Palmeiras insistir nos goleiros formados na base, já que não mostravam segurança. Aranha recebeu uma proposta também da China. Mas decidiu jogar no Palestra Itália. E no Palmeiras, com o aval de Oswaldo, Aranha terá toda a liberdade para falar sobre o que quiser. Principalmente se manifestar se sofrer novamente com o racismo. O técnico ficou muito orgulhoso com a coragem do jogador. "A verdadeira medida de um homem não se vê na forma como se comporta em momentos de conforto e conveniência, mas em como se mantém em tempos de controvérsia e desafio", disse Martin Luther King. Ele ficaria orgulhoso da força de Aranha. Um dos poucos jogadores negros com coragem de enfrentar a hipócrita sociedade brasileira. Situação mascarada que Gilberto Gil resumiu muito bem em um show em São Paulo na década de 90. "Aqui é o país onde muitos brancas só têm prazer em abraçar um negro desconhecido no Carnaval. Na quarta-feira de Cinzas mudam de calçada quando encontram o mesmo negro pela frente"...




Fonte: Esportes R7
Autor: cosmermoli
Publicado em: 31 Jan 2015 12:04:15

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