quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

A coragem, o talento e a generosidade de um dos melhores jornalistas esportivos e cronistas do Brasil. Feliz Natal, David Coimbra...

A coragem, o talento e a generosidade de um dos melhores jornalistas esportivos e cronistas do Brasil. Feliz Natal, David Coimbra...




24 de dezembro de 2014. Véspera de Natal. Estava propenso a escrever sobre a chegada do uruguaio Diego Aguirre ao Internacional. Ou então do novo ministro dos Esportes, o deputado George Hilton. A surreal ida de Aldo Rebelo para o ministério de Ciência e Tecnologia. Ou o Cruzeiro querendo Leandro Damião e Lucas Lima, mas sem a Doyen Sports. Tudo isso ficou pequeno quando lembrei de David Coimbra. Decidi partilhar sua história. Ele é um dos mais brilhantes jornalistas esportivos. Cronista e escritor de mão cheia. Seus textos fogem do comum. Mistura ironia, informação, coragem. Manipulador sem pudor de emoções quando retrata o dia-a-dia da sua amada Porto Alegre. Tem, e merece, a imensa legião de fãs que o segue no Rio Grande do Sul. Tenho muito orgulho de ser seu amigo. O conheci quando eu trabalhava no Jornal da Tarde, nas coberturas da Seleção Brasileira. Acompanhei o crescimento profissional desde o começo dos anos 2000. Ficamos mais próximos na Copa de 2006, na Alemanha. Cobri mais os treinos e jogos do Brasil ao lado de David do que dos meus companheiros do JT. Ele como editor de Esportes do Zero Hora. Na hora de escrever e levantar informações, a competição era ferrenha. Só vinha a calma na hora do jantar, quando falávamos do prazer e das dificuldades em cobrir mais uma Copa, das namoradas deixadas no Brasil, da diferença da vida em Porto Alegre e de São Paulo. Sobre a queda do Muro de Berlim. Falávamos sobre tudo. Menos das nossas matérias. Era um acordo silencioso de dois amigos concorrentes. Toda manhã comparávamos o que tínhamos apurado. E quando um conseguia uma notícia melhor do que o outro era xingado. Tinha de pagar o jantar. Ao final daquele malfadado Mundial, fomos almoçar em Frankfurt. E a sorte nos ajudou. Encontramos ninguém menos do que Ricardo Teixeira no restaurante. Comendo sozinho depois do fracasso que tanto contribuiu, com a farra da Seleção em Weggis.

Fomos até Teixeira, que bebia um chope gigantesco e comia mariscos. Pedimos uma entrevista. "O senhor falará para São Paulo e para o Rio Grande do Sul de uma vez só", disse David. "A hora de se posicionar é agora", instiguei. Fomos despachados sem piedade por Teixeira. Com cara de nojo, ele apenas balançou a cabeça e murmurou. "Só falo no Brasil." Apesar de termos vontade de esmurrá-lo, apenas rimos. Viramos as costas. Brindamos ao fim da Copa. E ao nosso digno presidente da CBF. Nos encontramos várias e várias vezes depois disso. Sempre que ia a Porto Alegre trabalhar fazia questão de jantar, conversar com David. E percebi que ele estava subindo na hierarquia do grupo RBS. Sua vida estava excelente. Se casou, teve o filho Bernardo. Até hoje não consegue esconder o orgulho por qualquer atitude do filho. Um pai presente, amigo, companheiro. Muitas vezes fui surpreendido com presentes de David. Ele me mandava seus livros. Ficava surpreso com o talento para escrever diferentes temas. E de maneira atraente, obrigando o leitor a seguir em frente. Só a última página trazia alento. Suas crônicas têm muito sucesso em Porto Alegre. Seus comentários sobre futebol também. Nunca caiu no truque usados por alguns. Pouco importa que Felipão e Dunga sejam gaúchos. Mesmo comandando a Seleção, os dois não foram poupados por David. Sua obstinação pelo jornalismo é exemplar. Mata a fonte sem piedade. Mas por quê estou escrevendo sobre David Coimbra neste Natal? Porque ele está muito longe de Porto Alegre, do Rio Grande do Sul. Ele, a esposa e Bernardo estão nos Estados Unidos. Não. Não compram roupas em Miami, não circulam deslumbrados por Las Vegas, não dançam com Mickey na Disneylândia. A missão do trio em Boston é outra. Desde o ano passado, David foi diagnosticado com câncer. Um choque, para quem não tinha tido nem "uma gripe forte", como ele costuma dizer. Primeiro foi seu rim, que teve de ser extirpado. Depois surgiram outros focos. Ele tentou um tratamento experimental no Rio Grande do Sul. A situação estava se complicando. Foi quando se ofereceu para ser cobaia no Estados Unidos de novas drogas para combater a doença.

Se inscreveu com pessoas de todo o mundo para participar do programa. Somente algumas foram escolhidas. David estava entre elas. "Por puro acaso", ele diz. E foi mesmo. O destino fez com que viajasse pouco antes de começar a Copa do Mundo. Ele estava inscrito e cobriria a Seleção Brasileira. Outra vez ao meu lado. Como havia acontecido na Alemanha e na África do Sul. Mais do que a sua imensa falta, lamentei muito quando soube o motivo de sua ida para os Estados Unidos. Este será o primeiro Natal de David fora do Brasil. Não por passeio. Mas para salvar sua vida. As notícias são promissoras. O câncer está regredindo. A boa notícia torna esta data ainda mais especial. Só que David merece ser lembrado neste Natal porque tomou uma atitude inusitada, generosa. O corpo mirrado esconde uma coragem inacreditável. Assim que foi diagnosticado com o câncer, divide todas suas experiências com os leitores do Zero Hora. Ele consegue ter bom humor para detalhar as mazelas do tratamento. Fez questão de não se esconder. Muito pelo contrário. Criou a coluna Vida Nova no Caderno Vida no ZH. Fora o blog. A rádio. Sua luta para sobreviver tem inspirado, dado força para doentes também atingidos pelo câncer. É uma bênção a muita gente desenganada, deprimida. Além de alertar sobre a necessidade dos exames de prevenção. Joga luz sobre o assunto tão assustador. Como recompensa, e-mails de pessoas doentes ou parentes. Neles, a gratidão ao jornalista. David é uma pessoa especial. Está sempre cercada de amigos. Se alimenta disso. Por isso, nada mais justo desejar não apenas que tenha um ótimo Natal. Mas que consiga vencer a sua luta. E volte logo para o Brasil, para o Rio Grande do Sul, para a sua Porto Alegre. Vale a pena agora uma pitada do talento de David em uma de suas crônicas. Um trecho que se refere justamente à amizade. Será fácil perceber a importância que dedica aos amigos. Eu tenho a sorte de ser um dos muitos que conseguiu nesta vida. "Como viver sem os amigos? Aí está… Sou feito dos meus amigos. Um dos grandes orgulhos da minha vida é de ter feito e cultivado amigos leais, amigos verdadeiros, amigos que amo e que, sei, me amam também. Meus amigos são parte de mim, eles e seu apoio, seu carinho, suas gargalhadas, suas sacanagens. Como vou viver sem meus amigos? Foi o que pensei e repensei, ao vir para os Estados Unidos. Mas então lembrei de algo sobre os amigos: eles são eternos. "Tudo na vida passa. A fama, a glória e a dor se vão. O poder se esfumaça. O dinheiro é roubado. Amores imortais acabam em uma temporada. Amigos, não. Amigos de verdade são para a vida toda. Amigos de verdade você pode negligenciar, você pode brigar com eles, pode xingar as mães deles, pode ficar seis meses sem falar com eles, pode não lhes retornar o telefonema, que eles estarão lá, à sua espera, prontos para beber de novo com você, rir de novo com você, brigar de novo com você, sem nenhum constrangimento, sem precisar de nenhuma adaptação, como se vocês estivessem juntos no dia anterior. "Então, ao pensar nisso enquanto sobrevoava o oceano Atlântico, sorri. Porque sabia, e sei, que não importa em que parte da Terra eu esteja, nunca estarei sozinho. Comigo estarão, para sempre, dentro do meu peito, os meus amigos." Feliz Natal, David Coimbra, meu amigo...





Fonte: Esportes R7
Autor: cosmermoli
Publicado em: 24 Dec 2014 03:07:51

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