terça-feira, 15 de março de 2016

Depois de dois anos e cinco meses, a Justiça indicia seis pessoas por mortes no Itaquerão. Engenheiros da Odebrecht e funcionários da Locar. A acusação chega na pior hora para a venda dos naming rights...

Depois de dois anos e cinco meses, a Justiça indicia seis pessoas por mortes no Itaquerão. Engenheiros da Odebrecht e funcionários da Locar. A acusação chega na pior hora para a venda dos naming rights...




Morosa como sempre, a justiça brasileira finalmente vai revelar e julgar o que aconteceu na trágica tarde de 27 de novembro de 2013. Eram 12h50. O Itaquerão já era o estádio com maior atraso da história das Copas do Mundo. Substituiu o Morumbi. E houve muita discussão, e demora, sobre a liberação dos R$ 1,2 bilhão de dinheiro público. Quando tudo foi acertado, a obra foi feita a toque de caixa. 1.500 funcionários se revezavam em turnos de manhã, tarde e noite. Em julho de 2012, promotores suspeitaram a rapidez da prefeitura de São Paulo em aprovar o alvará do Itaquerão, com seus 132.800 metros quadrados, embora o projeto arquitetônico de Aníbal Coutinho exigisse 180.000. E exigiram explicações. Em ritmo acelerado, ensandecido. Joseph Blatter e Jérôme Valcke, então presidente e secretário-geral da Fifa, estavam desesperados. O estádio abrigaria a abertura da Copa. E deram o prazo máximo de dezembro de 2013 para a liberação e os jogos testes. Não aceitariam mais nenhum adiamento. Ou levariam a abertura para o Rio de Janeiro ou Brasília. A ameaça era real e atormentava a diretoria corintiana. Operários acumulavam horas extras. Estava dando certo. A obra estava 94% concluída. O derradeiro detalhe mais pesado era a instalação do último módulo da cobertura do estádio. Um guindaste com lança de 114 metros de altura (o maior usado no país) erguia a última peça, de 420 toneladas. Ela deveria ser elevada a 40 metros de altura pela máquina, capaz de erguer até 1.550 toneladas. Era a trigésima quarta e final tarefa daquele guindaste no Itaquerão. Mas o guindaste começou a tombar com o módulo. O impacto foi terrível. Danificou toda a arquibancada leste do estádio. E, muito pior, matou dois operários. O motorista cearense Fábio Luiz Pereira, de 41 anos, dormia dentro de um caminhão. Ronaldo Oliveira dos Santos, de 43, montador, estava num dos banheiros químicos próximo ao local. Morreram esmagados. "Fatalidades acontecem. Infelizmente um operário que morreu estava dormindo em um lugar errado", disse, na época, Andrés Sanchez, o responsável pelo estádio. Foi graças a ele e sua ligação com o ex-presidente Lula e com o ex-presidente da CBF, Ricardo Teixeira, que Itaquerão foi erguido. Desde então, ninguém se responsabilizava sobre a tragédia. Não havia nenhuma fatalidade. As investigações apontavam. Falha mecânica, instabilidade do terreno ou falha humana. Ou uma mistura desses ingredientes. Desde então, se acumularam laudos, desmentidos, entrevistas inconclusivas. Depois de 29 meses, ou dois anos e cinco meses de investigação, finalmente o Ministério Público de São Paulo conseguiu o que batalhava. A Justiça acatou as denúncias. Há uma ação penal responsabilizando seis pessoas. Quatro funcionários da Odebrecht. E dois da Locar, empresa tercerizada pela construtora para operar os guindastes.

A Odebrechet, o destaque fica para o engenheiro Frederico Marcos de Almeida Horta Barbosa. Ele é do alto escalação da construtora. O "número dois" na responsabilidade do estádio. Foi ele, aliás, o chefe das reformas no sítio do ex-presidente Lula, em Atibaia. Marico Prado Wermelingger, engenheiro; Gilson Guardia, técnico especializado; Valentim Valeretto, encarregado geral são os outros réus pela empreiteira. José Walter Joaquim, operador do guindaste que tombou; e Leanderson Breder Dias, trabalhavam para a Locar. Se condenados, podem ficar presos entre quatro e um ano. O laudo do Instituto de Criminalística foi a base do inquérito policial. E ele apontou o afundamento do solo sob o guindaste. "O laudo pericial constatou que o evento ocorreu em razão do desnivelamento do solo, decorrente da compactação insuficiente para locomoção do guindaste com carga (módulo de estrutura metálica). Por ocasião, não acusou qualquer defeito de equipamento."

O laudo da UFRJ mostrou também que o solo afundou e tombou o guindaste. Outro laudo, de um perito da USP, aponta que houve uma falha no plano de operação do guindaste. O Ministério do Trabalho encomendou laudo para o IPT, da USP. E, estranhamente, ainda não o tornou público. Apesar de ser obrigatório. A Odebrecht acusa a Locar. A Locar? Acusa a Odebrecht. A Folha revela hoje a troca de acusações. "Mesmo (os dois funcionários da Locar) percebendo a criticidade da operação, decidiram prosseguir com ela. E, o que é mais grave", mesmo tendo tempo para abortá-la, ou ao menos, dar ordens para que a área fosse evacuada, não o fizeram, assumindo o risco", alegam advogados da Odebrecht. "Há dois laudos conclusivos que demonstram ter sido o solo a casa do desabamento ocorrido." A responsabilidade por autorizar a operação do guindaste, era da Odebrecht. Esta a resposta da Locar. Ou seja, as empresas envolvidas no acidente não falam mais em fatalidade. A primeira audiência está marcada para a próxima quarta-feira, dia 16. O julgamento chamará a atenção da imprensa. A divulgação do inquérito veio em péssima hora para a diretoria corintiana. Quando ela tenta, depois de seis anos, vender o naming rights do estádio. O desabamento e a lembrança da morte dos dois operários é algo que espanta qualquer investidor. Três meses antes das mortes Fábio e Ronaldo, membros da cúpula passaram a informação ao Estado de S. Paulo que a Emirates havia comprado os naming rights do Itaquerão. Na verdade, a negociação acontecia. A informação foi repassada como fechada. O jornal estampou na primeira página da sexta-feira, dia 6 de junho de 2013. A intenção era pressionar os investidores a fechar. O acordo seria de R$ 450 milhões por 20 anos.

Com a tragédia, a cúpula da Emirates desistiu do negócio. A notícia não se confirmou. O jornal foi usado. Publicou como verdade algo que era mera especulação. Várias vezes isso aconteceria nestes anos. O Corinthians agora estava perto, mais uma vez. Tanto que abriu mão do patrocínio de R$ 30 milhões da Caixa Econômica Federal na camisa. A notícia sobre o inquérito tem conteúdo para espantar novos interessados. Além dos dois, morreu um terceiro operário no Itaquerão. Fabio Hamilton da Cruz, de 23 anos, participava da montagem de parte das arquibancadas provisórias, no setor sul, e caiu de uma altura de nove metros. Foi em março de 2014. Quanto a Andrés, ficou marcado o recado mandado pelo irmão de Ronaldo, no dia da abertura da Copa do Mundo. "Esse é um cabra safado, escroto mesmo. Disse que deu apoio às famílias, e nem apareceu no enterro daqui. Esse sujeito falou que o Ronaldo estava no lugar errado. Errado foram eles que sobrecarregaram o guindaste e não isolaram a área. Se eu encontrar, acabo com ele", disse Paulo Renato ao UOL, que vive em Caucaia, no Ceará. Assim como o singelo resumo de Keille Pereira ao G1. Ela é filha de Fábio, que foi esmagado dormindo. "Quando soube (trabalharia no Itaquerão) ficou super animado, falou que iria nos levar para a inauguração. Para nós foi uma emoção muito grande." Mas vieram as horas extras, o trabalho excessivo. "Ele mesmo (seu pai) já não estava gostando. Trabalhava até aos domingos. Estava triste e cansado o tempo inteiro. Um dia eu perguntei se não era perigoso ficar carregando aquele peso todo, se não tinha risco da estrutura cair na hora do jogo ou em alguém da obra, quando ele disse: "Não filha, lá é bem seguro." Na hora que eu soube o que aconteceu, só me vinha a voz dele na hora, que me cortou o coração." Alguém tem de pagar por essas mortes...





Fonte: Esportes R7
Autor: cosmermoli
Publicado em: 15 Mar 2016 10:29:59

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