
Foi aos poucos. Um quebra-cabeças montado com agonia, vergonha. A cada entrevista, cada palestras, novos detalhes sórdido, degradante. Foram 17 anos mergulhado na cocaína, no álcool, no constrangimento. O descontrole atraiu a inevitável desgraça financeira. Abandono de amigos e mulheres, falsos companheiros do primeiro gole de champanhe francês e da primeira carreira de cocaína. Aos 65 anos, Paulo César Lima vai exorcizando seu terrível passado. A terapia o ensinou a enfrentar seus fantasmas. Os tornando públicos. O dá mais força para entender que, de nada valeu sua vaidade extremada, sua arrogância como talentoso jogador de futebol que o Brasil e a França conheceram. De tempos em tempos, cada vez que decide mostrar o que a cocaína, o álcool, as noites de orgia fizeram com sua vida e seu patrimônio, é a certeza de manchetes. Ele já havia falado do farrapo humano que havia se tornado, dos três apartamentos que havia torrado para comprar drogas. Vem agora o depoimento a Geneton Moraes Neto. Uma referência no jornalismo brasileiro. Que estupidamente a Globo o esconde, o deixa longe do vídeo por não ser galã ou ter a desenvoltura de Luciano Huck. Geneton tem conteúdo. Foi editor do Jornal Nacional, editor-chefe do Fantástico. Investiga como um arqueólogo questões que a história trata de maneira mentirosa. Lançou vários livros que desmistificam presidentes consagrados, escancaram a covarde e incompetente Ditadura Militar. No esporte, o pernambucano escreveu um obrigatório para quem ama futebol: Dossiê 50, Os Onze Jogadores Revelam os Segredos da maior Tragédia do Futebol Brasileiro. Livro lançado antes dos 7 a 1 da Alemanha, evidente. Na Globonews, Geneton tem liberdade para continuar explorando detalhes que escaparam das grandes histórias. E foi assim que encontrou Paulo César. Diante do conhecimento, da curiosidade e da contemporaneidade do jornalista, o ex-jogador entregou a ele uma peça-chave para definir sua descida ao inferno. Sem dinheiro vivo para pagar seus traficantes preferidos, ele vendeu os seus maiores troféus na vida. Suas maiores conquistas. A medalha de campeão do mundo em 1970 e uma réplica da taça Jules Rimet, concedida apenas àqueles que se tornaram donos dela.

"Eu necessitava da droga. Você perde a noção total do que está fazendo. Você não tem equilíbrio", disse a Geneton. Para entender como ele chegou ao limo do fundo do poço é preciso resgatar sua vida, sua carreira, sua personalidade, o orgulho de sua cor negra. Nasceu na favela da Cocheira. Paupérrimo. "Meu pai faleceu quando tinha apenas um mês de vida e minha mãe trabalhava como doméstica e sustentava a mim e a minha irmã mais velha. Tive uma vida de dificuldades e poucas oportunidades. Para ter ideia, eu fazia bola com a meia que minha mãe jogava fora. Enchia de jornal e assim brincava com meus amigos." Aos dez anos abandonou a família porque fez um amigo de classe média, que queria ter um irmão. Aceitou o convite para morar com seu irmão postiço. "Passei a morar no Leblon, bairro nobre do Rio e com o apoio do meu pai adotivo e treinador passei a me dedicar cada vez mais no futebol." Da miséria à classe média alta em um salto.

Logo seu talento o fez passar em testes para atuar no Botafogo. Ao contrário do que acontecia na favela, ele passou a ser bem alimentado, estudar em escolas importantes. Com apenas 18 anos foi bicampeão carioca. O dinheiro chegou fácil às suas mãos. "Aos 20 anos, já era dono de quatro apartamentos no Rio de Janeiro e tinha uma vida estabilizada. Pude tirar minha mãe da favela, dar conforto a ela e para minha irmã." Desde o início da carreira, Paulo César soube usar os microfones. Para se valorizar. Entendeu que o futebol era uma profissão. Não tinha o apego de outros jogadores aos clubes. Além disso ficava revoltado com a atitude escravagista dos dirigentes do futebol brasileiro antes da Lei Pelé. Não se submetia. Sua vida foi marcada por uma viagem que fez aos Estados Unidos. Ele descobriu o movimento Panteras Negras. Era um grupo revolucionário em favor dos direitos dos negros. Paulo César tratou de trazer os princípios para o Brasil, para o futebol brasileiro. Em plena Ditadura Militar protestava contra a falta de oportunidades aos negros, a discriminação. Como parte de sua revolta, deixou o cabelo crescer e o tingiu. Da mesma cor do carro novo. Daí o apelido Paulo César Caju.

Foi campeão em 1970 como reserva. Se Zagallo tivesse utilizado ponta esquerda no seu esquema, ele seria titular. Em 1974, o Brasil tinha excelentes jogadores. Mas Caju e Jairzinho foram para a Alemanha já vendidos para o futebol francês, o Olympique de Marseille. Infelizmente, a Seleção era dividida, rachada. Paulistas e cariocas não se suportavam. Paulo César era rejeitado pelos dois grupos. Eles acreditavam que iria se poupar no Mundial para chegar bem à França. O jogador não deixava por menos e deixava claro que estava cercado de inveja.

Neste ambiente insuportável, que engoliu Zagallo, o quarto lugar do Brasil em 1974 foi um milagre. Na véspera de 1978, Caju teve a coragem de exigir aumento na premiação para os militares que comandavam o Brasil. Claudio Coutinho o deixou de fora da lista final. O ex-jogador garante que o treinador, que era capitão, aceitou a intervenção de superiores hierárquicos para não levá-lo à Argentina. Trocou 12 vezes de clubes. Para ele, o que importava era o dinheiro na hora da transferência. Não bebia uma gota de álcool, não fumava e ficava longe das drogas. Até que aos 35 anos foi estava ganhando seus últimos salários na Segunda Divisão francesa, em Aix-en-Provence. Foi quando, Yannick Noah ganhou foi campeão do torneio Roland Garros. Depois de 37 anos, um francês voltava a vencer a tradicional disputa. A comemoração começou em Aix-en-Provence. Caju era amigo do pai de Yannick, com quem jogou futebol. Celebridade, foi convidado para a celebração. "Eu tinha 35 anos, não tinha compromisso com ninguém, tinha 14 imóveis no Rio. No dia do meu aniversário (16 de junho de 1983), cederam um iate para o Yannick sair em um cruzeiro. Fomos para Saint-Tropez. Entrei em um boate, tinha um bolo imenso com um campo de futebol. E tinha um monte de bandejas com cocaína. Nesta época, já estava bebendo. Adorava champanhe. Aí vem os amigos, o Diabo na sua orelha. "Experimenta, Experimenta". Experimentei. Fiquei 17 anos nessa vida.


Fonte: Esportes R7
Autor: cosmermoli
Publicado em: 19 Apr 2015 12:42:07
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