domingo, 19 de abril de 2015

Trocar a medalha e o troféu de campeão da Copa de 70 por cocaína foi pouco. 17 anos devastaram a vida de Paulo César Caju. A terrível lição do que a droga pode fazer com qualquer pessoa...

Trocar a medalha e o troféu de campeão da Copa de 70 por cocaína foi pouco. 17 anos devastaram a vida de Paulo César Caju. A terrível lição do que a droga pode fazer com qualquer pessoa...




Foi aos poucos. Um quebra-cabeças montado com agonia, vergonha. A cada entrevista, cada palestras, novos detalhes sórdido, degradante. Foram 17 anos mergulhado na cocaína, no álcool, no constrangimento. O descontrole atraiu a inevitável desgraça financeira. Abandono de amigos e mulheres, falsos companheiros do primeiro gole de champanhe francês e da primeira carreira de cocaína. Aos 65 anos, Paulo César Lima vai exorcizando seu terrível passado. A terapia o ensinou a enfrentar seus fantasmas. Os tornando públicos. O dá mais força para entender que, de nada valeu sua vaidade extremada, sua arrogância como talentoso jogador de futebol que o Brasil e a França conheceram. De tempos em tempos, cada vez que decide mostrar o que a cocaína, o álcool, as noites de orgia fizeram com sua vida e seu patrimônio, é a certeza de manchetes. Ele já havia falado do farrapo humano que havia se tornado, dos três apartamentos que havia torrado para comprar drogas. Vem agora o depoimento a Geneton Moraes Neto. Uma referência no jornalismo brasileiro. Que estupidamente a Globo o esconde, o deixa longe do vídeo por não ser galã ou ter a desenvoltura de Luciano Huck. Geneton tem conteúdo. Foi editor do Jornal Nacional, editor-chefe do Fantástico. Investiga como um arqueólogo questões que a história trata de maneira mentirosa. Lançou vários livros que desmistificam presidentes consagrados, escancaram a covarde e incompetente Ditadura Militar. No esporte, o pernambucano escreveu um obrigatório para quem ama futebol: Dossiê 50, Os Onze Jogadores Revelam os Segredos da maior Tragédia do Futebol Brasileiro. Livro lançado antes dos 7 a 1 da Alemanha, evidente. Na Globonews, Geneton tem liberdade para continuar explorando detalhes que escaparam das grandes histórias. E foi assim que encontrou Paulo César. Diante do conhecimento, da curiosidade e da contemporaneidade do jornalista, o ex-jogador entregou a ele uma peça-chave para definir sua descida ao inferno. Sem dinheiro vivo para pagar seus traficantes preferidos, ele vendeu os seus maiores troféus na vida. Suas maiores conquistas. A medalha de campeão do mundo em 1970 e uma réplica da taça Jules Rimet, concedida apenas àqueles que se tornaram donos dela.

"Eu necessitava da droga. Você perde a noção total do que está fazendo. Você não tem equilíbrio", disse a Geneton. Para entender como ele chegou ao limo do fundo do poço é preciso resgatar sua vida, sua carreira, sua personalidade, o orgulho de sua cor negra. Nasceu na favela da Cocheira. Paupérrimo. "Meu pai faleceu quando tinha apenas um mês de vida e minha mãe trabalhava como doméstica e sustentava a mim e a minha irmã mais velha. Tive uma vida de dificuldades e poucas oportunidades. Para ter ideia, eu fazia bola com a meia que minha mãe jogava fora. Enchia de jornal e assim brincava com meus amigos." Aos dez anos abandonou a família porque fez um amigo de classe média, que queria ter um irmão. Aceitou o convite para morar com seu irmão postiço. "Passei a morar no Leblon, bairro nobre do Rio e com o apoio do meu pai adotivo e treinador passei a me dedicar cada vez mais no futebol." Da miséria à classe média alta em um salto.

Logo seu talento o fez passar em testes para atuar no Botafogo. Ao contrário do que acontecia na favela, ele passou a ser bem alimentado, estudar em escolas importantes. Com apenas 18 anos foi bicampeão carioca. O dinheiro chegou fácil às suas mãos. "Aos 20 anos, já era dono de quatro apartamentos no Rio de Janeiro e tinha uma vida estabilizada. Pude tirar minha mãe da favela, dar conforto a ela e para minha irmã." Desde o início da carreira, Paulo César soube usar os microfones. Para se valorizar. Entendeu que o futebol era uma profissão. Não tinha o apego de outros jogadores aos clubes. Além disso ficava revoltado com a atitude escravagista dos dirigentes do futebol brasileiro antes da Lei Pelé. Não se submetia. Sua vida foi marcada por uma viagem que fez aos Estados Unidos. Ele descobriu o movimento Panteras Negras. Era um grupo revolucionário em favor dos direitos dos negros. Paulo César tratou de trazer os princípios para o Brasil, para o futebol brasileiro. Em plena Ditadura Militar protestava contra a falta de oportunidades aos negros, a discriminação. Como parte de sua revolta, deixou o cabelo crescer e o tingiu. Da mesma cor do carro novo. Daí o apelido Paulo César Caju.

Foi campeão em 1970 como reserva. Se Zagallo tivesse utilizado ponta esquerda no seu esquema, ele seria titular. Em 1974, o Brasil tinha excelentes jogadores. Mas Caju e Jairzinho foram para a Alemanha já vendidos para o futebol francês, o Olympique de Marseille. Infelizmente, a Seleção era dividida, rachada. Paulistas e cariocas não se suportavam. Paulo César era rejeitado pelos dois grupos. Eles acreditavam que iria se poupar no Mundial para chegar bem à França. O jogador não deixava por menos e deixava claro que estava cercado de inveja.

Neste ambiente insuportável, que engoliu Zagallo, o quarto lugar do Brasil em 1974 foi um milagre. Na véspera de 1978, Caju teve a coragem de exigir aumento na premiação para os militares que comandavam o Brasil. Claudio Coutinho o deixou de fora da lista final. O ex-jogador garante que o treinador, que era capitão, aceitou a intervenção de superiores hierárquicos para não levá-lo à Argentina. Trocou 12 vezes de clubes. Para ele, o que importava era o dinheiro na hora da transferência. Não bebia uma gota de álcool, não fumava e ficava longe das drogas. Até que aos 35 anos foi estava ganhando seus últimos salários na Segunda Divisão francesa, em Aix-en-Provence. Foi quando, Yannick Noah ganhou foi campeão do torneio Roland Garros. Depois de 37 anos, um francês voltava a vencer a tradicional disputa. A comemoração começou em Aix-en-Provence. Caju era amigo do pai de Yannick, com quem jogou futebol. Celebridade, foi convidado para a celebração. "Eu tinha 35 anos, não tinha compromisso com ninguém, tinha 14 imóveis no Rio. No dia do meu aniversário (16 de junho de 1983), cederam um iate para o Yannick sair em um cruzeiro. Fomos para Saint-Tropez. Entrei em um boate, tinha um bolo imenso com um campo de futebol. E tinha um monte de bandejas com cocaína. Nesta época, já estava bebendo. Adorava champanhe. Aí vem os amigos, o Diabo na sua orelha. "Experimenta, Experimenta". Experimentei. Fiquei 17 anos nessa vida.
"Cheirei uma fileira de cocaína, raxixe e, por um mês, usei todos os dias. Acreditava que sabia o que estava fazendo, mas depois que experimentei me envolvi sem perceber." "Virei alcóolatra. Virei um vagabundo. Não tinha como parar. Estourei (vendi) dois apartamentos na rua Borges de Medeiros (no Rio) para sustentar o meu vício." Foi quando vendeu a medalha e o troféu reservados aos campeões mundiais. Quando a droga acabava, ele ia conseguia mais nos morros cariocas. Nas favelas. "Eu via crianças que ganhavam dinheiro com o comércio das drogas e isso é muito triste até hoje. Buscava na bebida uma forma de relaxar, bebia até três garrafas de whisky para dormir pois as outras bebidas já não satisfaziam mais." A decadência física continuou. Só não morreu porque havia sido realmente um atleta sem vícios. Seu corpo suportou porque era muito forte. Quem o tirou das drogas foi o ex-jogador Cláudio Adão. Ele e sua esposa Paula Barreto, filha do cineasta, Luís Carlos Barreto, o levaram para casa. O adotaram por três meses. Depois o internaram em uma clínica para se livrar do vício. Paulo César Caju se recuperou. E, desde então, jura não mais beber, fumar, cheirar. Ficou longe dos vícios. Mas em toda palestra o entrevista. Suas palavras são fundamentais. Assim como as de Casagrande, Marinho, Dinei, Jardel, Jobson, Lopes e tantos outros. Ele tinha uma ótima relação com os jornalistas do extinto Jornal da Tarde. Sabíamos de algumas histórias de sua decadência. Perto da falência do JT, ele teve uma coluna, que acabou com a falta de dinheiro. A lição que fica é que não há privilegiado. Da pessoa mais importante, mais talentosa, mais rica até ao miserável, a droga tem um poder devastador. Só que é preciso coragem para se expor, mostrar a descida ao inferno e suas consequências. Aos 65 anos, Paulo César Caju está fazendo mais pelo país do que fez com a bola nos pés...




Fonte: Esportes R7
Autor: cosmermoli
Publicado em: 19 Apr 2015 12:42:07

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