
Demorou, mas aconteceu. Os brasileiros deram a resposta a Edson Arantes de Nascimento. Da maneira mais direta. Mais dolorida. Viraram as costas a Pelé. Menosprezaram o museu de R$ 50 milhões, boa parte dele com dinheiro público, erguido em Santos para louvar seus feitos fabulosos como o melhor jogador de futebol de todos os tempos. Só que as atitudes e as omissões de Edson conseguiram algo inacreditável. Sabotar o interesse, a veneração ao inesquecível atleta. Como tudo que leva a marca Pelé, a megalomania cercou o Museu Pelé. Seus organizadores sonhavam que seria a atração mais visitada no estado de São Paulo. Sonhavam com, no mínimo, 1,2 milhão de visitantes por ano. Os preços: R$ 18,00 inteira e R$ 9,00 meia, para estudantes e idosos. Acreditavam que seria algo muito lucrativo. E falou em lucro, Edson se interessa. Ele cedeu cerca de 2.500 peças do seu acervo particular. Prometeu que, de vez em quando, estaria presente para contar algumas histórias. E cobraria algo nada simbólico: 15% do faturamento. O governo do Estado de São Paulo cedeu R$ 10 milhões. O BNDES, banco público, doou mais de R$ 9 milhões. A Companhia Docas de São Paulo deu R$ 800 mil. E a Sabesp, além de racionamento de água, teve R$ 450 mil para ceder à obra. Outras 23 empresas usaram a Lei Rouanet de Incentivo à Cultura e também ajudaram. Vale destacar a Odebrecht, com R$ 1 milhão; a Vivo, com R$ 800 mil; Libra, R$ 500 mil e o Grupo Mendes, mais R$ 500 mil. Além de investimento particular. Ou seja, Pelé tem muitos amigos. Só que não na população. A meta está muito longe de ser alcançada. Após nove meses da inauguração, apenas 57 mil pessoas se dispuseram a pagar para reverenciar o que Pelé fez em campo. A euforia do primeiro mês, com 12 mil, aconteceu por causa da Copa do Mundo, em junho de 2014. A grande maioria era de torcedores estrangeiros. Desde então, a triste constatação que a interferência de Edson foi grande demais. E matou o amor de grande parte dos brasileiros pelo maior jogador de todos os tempos. A começar pela maneira absurda com que tratou Sandra Regina. Edson renegou a filha que teve com a empregada doméstica Anísia Machado, em 1964. Anísia aceitou a rejeição. Sandra, não. Ela não se conformou. Processou o pai. Edson dizia ter dúvidas, a menina poderia ter sido concebida por outro homem. A justiça determinou que se submetesse a exame de DNA. Seus advogados entraram com recursos por 13 vezes, tentando que ele não fizesse o teste. Depois de um exaustivo processo de cinco anos, não houve como fugir. E ficou constatado que Sandra era sua filha.

Mesmo assim, Edson se recusava a aceitá-la como filha. Como troco, teve de ver a publicação do livro escrito por Sandra: "A Filha que o Rei não Quis", onde mostrou toda a dor da rejeição. Mas tudo ficaria absurdo. Sandra foi diagnosticada com câncer nas mamas. Retirou a direita. Mas muito religiosa, fugiu do tratamento de quimioterapia. Esperava uma recuperação milagrosa e a visita do pai no hospital. Edson não apareceu. Sandra morreu. E tudo o que ele fez foi mandar uma coroa de flores, das Empresas Pelé. Lógico que foi recusada. O caso foi um escândalo internacional. Mas teria, infelizmente, a sequência. Edson renegou também seus netos. Não quis a menor proximidade. Com dificuldades financeiras, Octávio e Gabriel, filhos de Sandra, tentaram a sorte com futebol. Mas não carregavam no DNA a genialidade do avô. Edson não quis nem saber se eles fracassaram no Paraná, no São Paulo.

Os garotos só encontraram o célebre avô, por acaso, no aeroporto de Curitiba. E o que fizeram? Pediram autógrafo. Isso, ele não recusou. Só que a justiça o obrigou a algo mais. O pai o processou pedindo ajuda financeira aos meninos. E ficou determinado desde o ano passado que ele pagará sete salários mínimos a cada menino. Cerca de R$ 5,5 mil mensais. No julgamento foi dito pelo juiz que os netos passaram por privações que outros netos de Pelé não passaram. Octávio foi contratado pelo Guarani de Divinópolis, minúsculo time de Minas Gerais. Gabriel está pensando em fazer outra coisa da vida. Além do lado pessoal houve o racial. Edson nunca quis se envolver na polêmica questão do racismo. Criticou Aranha por ter reclamado dos gremistas que o chamaram de macaco no ano passado. "Se eu fosse querer parar o jogo cada vez que me chamassem de macaco ou crioulo, todos os jogos iriam parar. O torcedor grita mesmo", disse, como se fosse a coisa mais normal do mundo. Recriminou Daniel Alves por ter comido a banana atirada em direção em um partida do Barcelona. "Se ele não pega a banana, não come a banana, ninguém ia ver que tinham jogado a banana. Não aconteceria nada. Só teve a repercussão porque ele fez a brincadeira." "O que dizer do maior jogador do mundo? Ele é lamentável neste caso, não se posiciona. É um absurdo. O cara é o atleta do século, a figura mais popular do mundo e não usa isso para brigar por causas justas. E sempre que abre a boca para se pronunciar não fala nada correto.

"Se o Pelé tivesse um pouco de noção ou sensibilidade, faria uma revolução neste caso (racismo). Ele tem mais repercussão que líderes políticos e religiosos. Mas não, prefere ficar falando besteira. E, na boa, nem quero mais falar dele. Não vale. Temos que falar de Muhammad Ali, Martin Luther King, Nelson Mandela... Estes, sim, foram grandes líderes que aproveitaram o espaço que tinham para brigar pelos negros. Abdicaram de suas vidas e compraram brigas sérias, coisa que o Pelé deveria fazer e nunca fez", resumiu Paulo César Caju ao UOL. Edson defendeu a Copa do Mundo no Brasil com unhas e dentes. Não quis saber elefantes brancos, farra de R$ 4 bilhões limpos para a Fifa, gasto altíssimo de dinheiro público. Nem com arenas que ele mesmo considerava superfaturadas, um roubo aos combalidos cofres brasileiro. Talvez a revista norte-americana People With Money esclarecesse tanto empenho. Ele lucrou R$ 58 milhões com o Mundial em propagandas. Além disso, tinha contratos com a P&G, Volkswagen, Emirates, Subway e Coca-Cola.

Sua fortuna pessoal é avaliada em US$ 245 milhões, cerca de R$ 764 milhões. Não há do que reclamar. Edson também não se negou a ter ótimas relações com os presidentes generais na época da Ditadura Militar. Muito pelo contrário. Tinha grande apreço por um dos mais tiranos: o Emílio Garrastazu Medici. A quem ofertou com todo o prazer a taça Jules Rimet, conquistada definitivamente em 1970. Viraram amigos. Edson o abraçou quando deixou de ser presidente. Por tudo isso, fica difícil cultuar a memória desse homem. Embora tenha sido um mito dentro do gramado. Seus gols fabulosos, suas façanhas que deram dois títulos mundiais ao Santos e três ao Brasil. Os 1.283 gols é um algo incrível. Os dribles, os lançamentos, as tabelas, tudo absurdo, extraterreno. Encerrou sua carreira em 1977. Mas Edson não deixou Pelé ser o ídolo, o líder que o Brasil precisava. Poucas pessoas na história tiveram tantos microfones à disposição e os desperdiçou. No mundo todo. Evitou alvos fundamentais como o racismo, a Ditadura Militar e renegou filhas e netos. Apoiou a Copa que sacrificou o Brasil. Egoísta só chorou por si. Recebendo troféus, ganhando Mundiais. Está muito longe de ser referência fora dos gramados. Por isso que apesar de todo cenário futurista e os R$ 50 milhões, a população brasileira renega seu museu. Não interessa ver seus feitos.


Fonte: Esportes R7
Autor: cosmermoli
Publicado em: 04 Apr 2015 04:27:56
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