
"Não sei quem foi um técnico que ficou na beira do campo num determinado jogo, acho que foi o Jurgen Klopp, do Borussia Dortmund... Em algum momento ele ficou curtindo. Eu nunca consegui curtir. Nos últimos 15 minutos eu curti. Fiquei assistindo, fiquei deliciando a qualidade do grupo." Foi assim que Tite confidenciou que vivenciou os últimos minutos da goleada de ontem sobre o Danubio. Vendo a volúpia, a ganância do time buscando mais e mais gols, o comprometimento tático de seus jogadores. Foi como um torcedor privilegiado no Itaquerão. Sabia melhor do que ninguém que 4 a 0 foi pouco. O treinador tinha mesmo motivo para se orgulhar e sorrir. O seu Corinthians continua passeando, fazendo do terrível "grupo da Morte", sua diversão na Libertadores. Foi a quarta vitória seguida. 12 pontos conquistados contra São Paulo, San Lorenzo e Danubio. Faz a segunda melhor campanha entre todos os 32 times. Está empatado com Boca Juniors, que está em um grupo facílimo. Só perde no saldo de gols. Marcou nove gols e sofreu um. Tem saldo de oito. Os argentinos têm saldo de 12. E ontem, o Corinthians poderia ter marcado muitos outros gols. Jogou para ganhar pelo menos de seis, sete a zero. Tite mostrou todo o potencial do esquema 4-1-4-1, que aprendeu e desenvolveu no ano sabático de 2014. Conseguiu incutir na cabeça de seus comandados a movimentação constante. Com exceção de Ralf, o cão de guarda da zaga e o Guerrero, o definidor, os volantes e os meias são a mesma coisa. Têm a mesma responsabilidade. Podem tanto defender como atacar. Bem treinados, já percebem que espaço preencher. Além disso, há os laterais liberados para rasgar defesas como pontas. Vão para a frente sabendo que estão cobertos.

Não bastasse tudo isso há ainda a bola parada de Jadson. As faltas cobradas diretas ou escanteios onde todos sabem muito bem onde a bola chegará. Para sustentar tudo isso, o excelente preparo físico do time. O Corinthians não é por acaso o time que mostra o melhor futebol do Brasil em 2015. Tite conseguiu um pacto de comprometimento do elenco que é assustador. Pouco importa que a arrecadação de ontem tenha passado dos R$ 3,2 milhões no Itaquerão. O dinheiro vai todo para o fundo gerido pela Caixa Econômica e pela Odebrecht para pagar o estádio bilionário. A hora em que a renda de cada partida no Itaquerão é divulgada se transforma no momento de maior raiva dos atletas. Eles estão com direito de imagem atrasados desde 2014, graças à péssima administração de Mario Gobbi. Mesmo assim, a aplicação de todos os jogadores é exemplar. Tite foi bem claro. Se entregar, deixar de lutar por falta de dinheiro seria burrice. Só indo além, colocando a alma nas partidas haveria como o Corinthians ir vencendo, buscando dinheiro de vias paralelas. Como patrocínios do calção e da omoplata dos uniformes, que o clube não conseguiu vender. Há a promessa da diretoria, que assim que alguma empresa resolver estampar seu logotipo nesses lugares vagos, o dinheiro será deles.

E no Parque São Jorge, a desgraça é democrática. Atletas que deveriam ser protegidos de qualquer maneira, não são. "Eu já disse. Não vou conversar sobre renovação enquanto não receber o que o Corinthians me deve. É uma situação que não me agrada", desabafava Guerrero, autor de três gols ontem nos 4 a 0. Pela primeira vez com a camisa corintiana fez o desejado hat-trick. Não deveria pedir música, mas uma sinfonia. Ele é disparado o melhor atacante neste país. Mas tem mais de R$ 2 milhões em direito de imagem a receber. Emerson Sheik, que correu, driblou, provocou, tomou pontapés em série dos uruguaios, que viraram cartões amarelos e expulsão, terminou a partida com a canela direita sangrando, as marcas das travas das chuteiras era visíveis na meia. Ele tem a receber R$ 1,5 milhão. Ralf, que foi o esteio da defesa, acumula R$ 2,2 milhões. Elias, que foi meia, volante, centroavante, zagueiro, ponta e que acabou sendo chamado de "macaco" por Gonzáles, tem a receber R$ 1 milhão. Fora Renato Augusto, Gil, Jadson, Cássio que também estão com seus direitos atrasados. Mas se doam em campo como se fossem eles quem devessem ao Corinthians. Mesmo com tudo de bom que está acontecendo dentro do gramado, Tite faz seu papel. Não se acomoda e avisa que tem muito a melhorar. Sabe que não pode se dar ao luxo de se acomodar.

"O Corinthians é uma equipe em formação, que vai crescendo e se consolidando. Crescendo em bolas paradas, em saída de bola... O time ficou mais forte nas bolas paradas, teve um nível de concentração mais alto. Ontem eles estavam se cobrando dos gols que nós tomamos. Eu usei uma frase do Tostão, numa crônica dele: “O erro humaniza”. Digo a eles que errar é humano, mas que vamos trabalhar para melhorar." Só que para manter o time focado, disposto a lutar até o final para vencer os seis jogos no Grupo da Morte, derrotar de novo o San Lorenzo, no Itaquerão e o São Paulo, no Morumbi, é preciso responsabilidade da diretoria. O treinador já deixou claro a Roberto de Andrade que é preciso reconhecimento. Os atletas precisam ser pagos. O Corinthians que já está tão endividado, que busque empréstimos para manter o salário do elenco em dia. O truque de pagar a menor parte que está registrada na carteira e ficar devendo os direitos de imagem é covarde e abominado pelos jogadores. Mas enquanto isso não acontece, Tite vai seguir cobrando, treinando. Mostrando que o intercâmbio, a observação séria das entranhas dos melhores clubes da Europa o tornaram o melhor técnico do Brasil. Capaz de revolucionar um elenco que definhava nas mãos de Mano Menezes. Nem parece o mesmo time de 2014. Além de toda qualidade tática e técnica do Corinthians, do trabalho competente, instigante de Tite, há o Itaquerão. A nova arena, com sua acústica cruel com os adversários, com a proximidade dos apaixonados torcedores, se tornou um caldeirão moderno, local desesperador para as equipes visitantes. Não é por acaso que de 29 partidas, o Corinthians só perdeu uma, a primeira para o Figueirense. Desde então são 28 jogos sem derrotas. Nem o adorado Pacaembu era tão efetivo. Mas Tite se mostra maduro. Sabe que todo esse cenário pode ruir de uma hora para outra. Duas atuações ruins e o time pode dar adeus nos mata-matas na Libertadores. Por isso, o técnico se mostra incansável. Ambicioso como nunca. Para poder se dar ao direito de curtir, virar torcedor nos últimos 15 minutos de um jogo importante da Libertadores. Embevecido com o próprio trabalho. Ele tem razão. Seu Corinthians dá muito prazer assistir jogar. Nem parece que este time pertence ao país dos 7 a 1...

Fonte: Esportes R7
Autor: cosmermoli
Publicado em: 02 Apr 2015 05:56:59
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