sábado, 18 de junho de 2016

Os cruéis bastidores de como os jornalistas e Seleção Brasileira se tornaram inimigos. Os privilégios os colocaram de lados diferentes da trincheira. E como será difícil Tite sobreviver no meio desta guerra...

Os cruéis bastidores de como os jornalistas e Seleção Brasileira se tornaram inimigos. Os privilégios os colocaram de lados diferentes da trincheira. E como será difícil Tite sobreviver no meio desta guerra...




Gilmar Rinaldi foi bem claro para Marco Polo del Nero. Se ele quisesse que o Brasil se classificasse, sem sustos, para a Copa da Rússia, havia uma fórmula. Tirar os jogos da Seleção das Eliminatórias de "território inimigo": São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Locais onde a cobrança passou a ser imensa, sem perdão. Com direito a vaias e coro de pipoqueiro direcionado a Neymar. Marco Polo aceitou o conselho. Só que o técnico indicado por Rinaldi, Dunga, fracassou. Os planos de Gilmar também naufragaram. O presidente decidiu se livrar dos dois. E chamou Tite. O discreto, mas vivido Edu Gaspar, já se reuniu com Del Nero. E foi claro. Que ele reparasse na despedida que o Corinthians fará amanhã, no Itaquerão, para o treinador. Até o gerente será homenageado. Ou seja, São Paulo, mais especificamente o estádio corintiano passará a ser um dos principais palcos da Seleção Brasileira. Tite é sempre tratado com muito carinho em Porto Alegre. Gaúcho, já trabalhou no Inter e no Grêmio. Teve convites para voltar. As principais torcidas darão apoio a ele e à Seleção. Porto Alegre também voltará ao roteiro. O Maracanã é uma exigência e um sonho do técnico. Assume que quer a Seleção no principal palco do futebol deste país. Por ele, chega de fugir para o Norte e o Nordeste. Como jogar contra a Colômbia em Manaus. O treinador quer mesmo o time nos principais estados brasileiros. Essas são medidas básicas de reaproximação da Seleção com os torcedores. Mas há uma relação rompida há décadas e que tem grande influência. Faz com que, de acordo com o instituto Pró-Pesquisa de São Paulo, 91% dos brasileiros, na faixa entre 24 e 44 anos, não se importem com a Seleção. Não só pelas derrotas. O desgaste está na postura dos jogadores milionários atuando na Europa, sem identidade alguma com o país, atletas que os torcedores não sabem seque a fisionomia, os nomes, não conhecem suas vozes. Como se empolgar por desconhecidos, endinheirados, mimados? Com coadjuvantes comandados por um líder egocêntrico? Tite nunca passou perto da Seleção. Edu era um jogador talentoso, inteligente. Foi convocado até 2005. Mas as contusões o atrapalharam, o tiraram da Copa de 2006. São 11 anos longe do ambiente da CBF. E muita coisa mudou. Principalmente foi corroída a relação entre Seleção e imprensa.

Quando Neymar afirmou que um monte de babaca iria falar merda sobre a Seleção eliminada na primeira fase da Copa America, e mandou um "foda-se" o recado era direto para os jornalistas. Ou seja, o futebol brasileiro passa enorme vergonha. E ele, prevendo, as reprimendas, ofende a imprensa. Ele jogou lenha em uma relação que beira o ódio há muito tempo. Depois diante da virulenta repercussão, seus assessores o aconselharam a dar um passo atrás, que ninguém levou a sério. Cubro a Seleção Brasileira desde 1991. Estive nas Eliminatórias, preparação e nas últimas seis Copas do Mundo. São 25 anos de cobertura. Neymar tem 24 anos de vida. Trabalhei com Falcão, Parreira, Zagallo, Luxemburgo, Candinho, Leão, Felipão, Dunga, Mano Menezes. Acompanhei o Brasil vencendo Copa, perdendo final, dando orgulho, passando humilhações. Vou expor sete situações de bastidores que corroeram essa fundamental relação. Talvez elas ajudem Tite e Edu a entenderem o que acontece do lado de cá das trincheiras. Do lado dos odiados jornalistas. 1ª)A visão destorcida dos treinadores. Com o passar dos anos e a chegada da Internet, os veículos de comunicação se multiplicaram. Em 1991, éramos dez, doze jornalistas cobrindo o Brasil. Atualmente, em grandes eventos, dentro do país, são mais de cem. É impossível conversar, se aproximar de todos. O que todos os treinadores, com exceção de Dunga, procuraram fazer? Acreditar estupidamente que se aproximar da Globo resolveria todos os problemas. Tomar café com Galvão Bueno, Mauro Naves, Casagrande. Em uma mesa no lobby do hotel onde a Seleção está concentrada. Trocar ideias e repassar informações privilegiadas. A estupidez está no fato de que a Globo dá a informação. E os dezenas de jornalistas restantes são cobrados por suas chefias pelo furo que tomaram. Não adianta explicar que não foram convidados para o "café especial". O ressentimento toma conta de 99% da imprensa que cerca a Seleção. Não há mais tolerância para nada. Enquanto Galvão, Naves, Casagrande e Ronaldo se esbaldam, por cinco minutos no Jornal Nacional, a raiva prevalece no ambiente até o final da cobertura.

O JN fala de futebol por seus cinco minutos. Outras emissoras especializadas em esportes, por horas. Assim como radialistas. Na Internet, há notícias 24 horas. Os jornais deixam impressos os detalhes. Ou seja, não é a Globo quem faz a imagem do técnico, dos jogadores, da Seleção. Galvão Bueno pode insistir que Neymar é a salvação da Pátria, Casagrande garantir que o caminho está certo. Quem leva a informação para os poucos ainda interessados na Seleção são os "desprestigiados", os que não tomam cafezinho com os técnicos da Seleção. Felipão caiu na besteira, em plena Copa do Mundo de 2014. Chamou para um reunião seis jornalistas de sua confiança. De grande veículos. Tentou manipular a opinião pública. Tudo o que conseguiu foi jogar contra si os 694 repórteres que cobriam o Brasil e não foram para o "encontro de notáveis". É bom você entender isso, Tite. O privilégio será cobrado. 2ª)O trabalho da assessoria de imprensa da CBF. Rodrigo Paiva profissionalizou a relação. Mas só para o lado "de lá". Dunga o derrubou, mas a situação continua. Quando há uma questão importante, os problemas de Neymar com o fisco, os jornalistas são avisados que o assunto estará fora da coletiva. Ou seja, impedem que o jogador se manifeste. E muitas vezes os atletas acabam falando para uma emissora de tevê sobre o tema. Chefes de redação que enfrentam a crise e mandam repórteres para cobrir a Seleção se sentem traídos. E descontam nos enviados.

O espírito de Rodrigo também está presente quando há uma confusão. Por exemplo, um atacante que foi expulso infantilmente. Quem é escolhido para dar entrevista é o goleiro, que nada teve a ver com a situação. É uma postura burra. Porque a matéria sobre a expulsão infantil sairá de qualquer maneira. Sem a versão do jogador envolvido há espaço para o jornalista escrever o que apurar. E o assunto só cresce com a covarde postura da CBF. Seria preciso hombridade para assumir. Mas os assessores têm medo dos atletas e procuram "protegê-los." Na verdade, só pioram sua imagem diante da população. 3ª) A covarde mania da entrevista antes do treino. Foi Paiva que instituiu a absurda regra. O Brasil vai fazer um treinamento importante, de definição de time. O técnico não sabe qual lateral direito será o titular. A coletiva é dada antes do coletivo. As perguntas são evasivas. As matérias divulgadas pelas tevês, rádios e, principalmente, Internet, são dúbias. Invariavelmente após o treinamento costuma vazar quem vai jogar. E grande parte do material feito pelos jornalistas antes do treino é jogado no lixo. Ou ridicularizado por quem lê, ouve. De novo, o ressentimento contamina o ambiente.

4ª)O microfone. Nas coletivas das grandes seleções do mundo, na entrevista coletiva, quando o repórter assume o microfone, ele faz a pergunta e continua com ele. Para completar a sua dúvida diante da resposta. Ou até dar para uma réplica, quando o jogador ou treinador não entende a pergunta. No Brasil, não. Você implora para perguntar fica chacoalhando o braço como um epilético e quando o microfone chega, faz a pergunta e ele é tomado da sua mão. Por isso, várias vezes, quando jornalistas fazem perguntas duras, são humilhados para a população. Muitas vezes estão retrucando, mas como não têm microfone, fica só a palavra do entrevistado no ar. Na hora, ele pode até chegar ao orgasmo. Mas há o depois. Sem hipocrisia, há corporativismo entre os jornalistas. Se os jogadores se protegem, os repórteres também costumam tomar as dores do colega. Prevalece o pensamento "poderia ser eu". E quando acaba a entrevista, o troco fica no ar. É só esperar. Um gol perdido, um gol tomado, uma substituição mal feita. E a vingança chega forte. E duradoura. Por isso, o caminho da troca de ideias, mesmo em coletivas, é o mais justo. O melhor para todos. Principalmente para o ambiente da Seleção.
5ª)O desprezo à Internet. Antigamente os grandes jornais dominavam a cobertura da Seleção. Só que o digital está matando o papel. Jornais importantes fecharam ou têm sua tiragem diminuída. Alguns estão falindo. Os milhões de acessos dos portais ainda são desprezados. Nas raríssimas entrevistas exclusivas, os jornais são privilegiados. Segue o mesmo pensamento de 25 anos atrás. É uma hipocrisia. O desprezo à Internet custa caro. Há a troca de milhões por milhares. O número de repórteres de portais na cobertura é muito maior do que os de jornais. Não há cabimento essa postura da assessoria de imprensa. Que, repito, há consequências ruins para a Seleção. O caminho da equiparação é irreversível. 6ª)A distribuição dos espaços nas zonas mistas. Zona mista é um corredor onde o jogador precisa passar depois das partidas para dar entrevistas. Principalmente em jogos importantes: Eliminatórias, Copa do Mundo, Copa América. O espaço reservado para as televisões é muito maior. Inversamente ao número de repórteres. De jornal, Internet, rádio. Costumam ficar espremidos, muitas vezes sem conseguir fazer uma única pergunta, enquanto os repórteres de televisão se esbaldam. Também não há acompanhamento algum. É uma bagunça. Vi várias vezes jogadores rindo de jornalistas de estatura pequena sendo esmagados pelos colegas. Impedidos de chegar perto com seu gravador. Jogadores passam como um raio, balbuciando respostas para a Internet, jornais e rádios. E dão todas as longas explicações para a tevê. Muitas vezes chefes que estão na redação ligam para os repórteres cobrando o que os atletas falaram só para a televisão. O desrespeito, a humilhação fica no ar. E vem à tona na convivência. A solução é simples. O mínimo de organização. Internet e jornais de um lado, com dez minutos com os atletas. Radialistas, mais dez. E teve outros dez. Pronto. Meia hora é o tempo que costumam durar as zonas mistas. Mas virou praxe dez minutos para rádios, jornais e Internet. E vinte minutos para as tevês. O detalhe, os profissionais de rádios, Internet e jornais não podem ouvir o que os jogadores falam para as tevês. Parece e é provocação.

7ª) A última situação estimula a intolerância é a presença de assessores de imprensa dos jogadores convocados. Eles costumam frequentar os ambientes da Seleção. E distribuem as entrevistas exclusivas. De acordo com sua conveniência. Como são próximos dos atletas têm informações privilegiadas. Como escalação, brigas, discussões. E elas chegam nos veículos que costumam tratar bem seus atletas.

Na Copa do Mundo do Brasil, Felipão não tinha ideia do quanto foi prejudicado por isso. Em muitas situações, pagou pelo que não fez. Essa promiscuidade é um veneno para a Seleção.

A relação entre Seleção Brasileira e jornalistas é péssima.

Estão separados, cada um do seu lado da trincheira.

Há décadas.

Só uma geração fabulosa de jogadores poderia amenizar as cicatrizes.

Mas a mediana, limitada, com um líder egocêntrico, torna tudo pior.

O único caminho para a boa convivência é o fim dos privilégios.

Cabe a você, Tite estimular ou amenizar essa guerra.

Já está no olho do furação.

E observado por centenas de olhos, bem atentos...



Fonte: Esportes R7
Autor: cosmermoli
Publicado em: 18 Jun 2016 13:08:09

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