terça-feira, 11 de agosto de 2015

'Mourinho do Pelourinho.' Indecente apelido de Cristóvão no Fluminense. Sentindo perseguição no Flamengo, por ser negro, o técnico se revolta. Mas o futebol e o Brasil não são só preconceituosos. São hipócritas...

'Mourinho do Pelourinho.' Indecente apelido de Cristóvão no Fluminense. Sentindo perseguição no Flamengo, por ser negro, o técnico se revolta. Mas o futebol e o Brasil não são só preconceituosos. São hipócritas...




"Começam com críticas insistentes, diárias e vira perseguição, e no conteúdo algumas racistas. Fui citado que o Flamengo deixou de escolher o Oswaldo (de Oliveira) para escolher o "Mourinho do Pelourinho". Fica difícil para esse tipo de pessoa se esconder. Me sinto preparado para estar aonde estou, mas quando me atinge como cidadão, vou procurar meus direitos para me fazer respeitar. Somos uma democracia, mas o racismo às vezes é camuflado." "O racismo existe, não tem como esconder. No Vasco, quando eu tirava o Felipe ou o Juninho, o torcedor achava que eu estava maltratando o ídolo. Para o torcedor, era muito abuso partindo de um ex-assistente, e negro, que ainda por cima defendia suas convicções. Eu me coloco. E essa coisa incomoda. Eu defendo minhas convicções independentemente de gostarem ou não, de ser vaiado ou não. Sei que isso incomoda. Não faço para agradar. Defendo e sustento. Como sou negro, percebo a agressividade. Os caras dizem: “Seu negro filho da p…”, ou algo assim. Aí, você percebe que está incomodando e que isso acontece não somente pela posição que está ocupando. É ofensa pessoal. Mas me sinto muito à vontade diante dessas situações." As declarações são pesadíssimas. De Cristóvão Borges, treinador do Flamengo, clube mais popular do Brasil. Cristóvão tirou da garganta algo que o incomodava demais. Foi no dia 25 de novembro de 2014. Neste dia, ele teve o desprazer de descobrir como torcedores do Fluminense o chamavam pelas costas. Na coluna de Renato Maurício Prado, no jornal O Globo, a expressão "Mourinho do Pelourinho" era apenas uma havia também "Guardiola de Ébano". O detalhe, Cristóvão era o treinador do próprio Fluminense. Cristóvão vem sendo duramente criticado pelos dois últimos jogos do Flamengo. O time empatou com o Santos e perdeu para a Ponte Preta. As reclamações da imprensa e dos torcedores cariocas foram voltadas ao técnico. O presidente Eduardo Bandeira de Mello foi pressionado para a demissão. Mas decidiu dar uma derradeira chance ao treinador.

Na ESPN, ontem, desabafou. Vê a mais torpe razão para que seja perseguido. A cor da sua pele. Deixou nas entrelinhas que se fosse um técnico branco, seria mais respeitado. Ele é muito inteligente. Sabia que suas declarações repercutiriam. E elas estão em todos os portais, jornais, noticiários do país. A hora é de reflexão. Quais são os treinadores que trabalham nos grandes clubes do Brasil? No Rio. Flamengo, Cristóvão, negro. Vasco, Celso Roth, negro. Fluminense, Enderson Moreira, branco. Em São Paulo. Corinthians, Tite, branco. Palmeiras, Marcelo Oliveira, branco. Santos, Dorival Júnior, branco. São Paulo, Osório, branco. Ponte Preta, Doriva, branco. Minas Gerais, Atlético Mineiro, Levir Culpi, branco. Cruzeiro, Vanderlei Luxemburgo, mulato. Paraná, Coritiba, Ney Franco, branco. Atlético Paranaense, Milton Mendes, Branco. Santa Catarina, Avaí, Gilson Kleina, branco. Figueirense, Argel, branco. Joinville, PC Gusmão, branco. Chapecoense, Vinícius Eutrópio, branco. Rio Grande do Sul. Grêmio, Roger, negro. Internacional, Odair Hellmann, branco. Pernambuco. Sport, Eduardo Baptista, branco. Goiá. Goías, Julinho Camargo, branco.

Cristóvão, Celso Roth, Luxemburgo e Roger. Quatro treinadores negros. Contra 16 brancos. Presidentes de clubes e vices de futebol também são em sua quase totalidade brancos. Esse não é um fenômeno brasileiro. "É triste ver que são pouquíssimos treinadores negros. Dos ex-jogadores de cor, quantos viraram treinadores? É bem verdade que não devemos ver somente a cor da pele. Mas isso também é um aspecto. Não dá para negar." O resumo é do holandês Seedorf. Desde que foi demitido do Milan, não conseguiu recolocação. "Já ouvi de empresários: "O pessoal do clube gostou do seu perfil, mas, me desculpe, você é preto", disse o técnico Lula Pereira. "Se você descer a hierarquia, você vai ver mais negros - massagistas, roupeiros, treinadores de goleiro. Mas treinador, dirigente, são cargos maiores e não querem dar esse espaço aos negros", disse à BBC, o cientista social Marcel Diego Tonini, pesquisador da USP que tem trabalhos de mestrado e doutorado sobre o tema "negros no futebol".

Ou seja, o mercado de treinadores e dirigentes é mesmo mais restrito para os negros no Brasil. Na Europa, no mundo. Tudo fica lamentavelmente explicável quando se lembra que até 90 anos atrás, o futebol em campo era restrito aos brancos. Os negros tinham de passar pó de arroz no rosto, braços e pernas. Esticar o cabelo a ferro, na esperança de disfarçar a própria raça. A esperança era o torcedor, de longe, confundi-lo com branco. A melhor saída parece ter sido encontrada pela liga de futebol norte-americano, a NFL. A Rooney"s Rule. Desde 2003, para cada vaga de treinador ou dirigente que esteja vaga, um negro precisa ser ao menos entrevistado. "Não tem técnico negro? Então ligue para a Dilma e mande ela fazer uma cota pra técnico negro. Eu sou um árabe, não sou um negro, mas também sou discriminado (na sociedade). Não acho que exista nenhum preconceito", ironizou Alexandre Kalil, ex-presidente do Atlético Mineiro. Cristóvão pode realmente estar sendo discriminado. Não tem cabimento essa história de Mourinho do Pelourinho ou Guardiola de Ébano. Quem o tratou ou o trata dessa maneira precisa ser processado. Se a tolerância com treinador negro é menor do que um branco é algo difícil de aferir. A melhor atitude para qualquer treinador que se sinta discriminado é falar. Protestar contra o preconceito. Usar a imprensa. Cristóvão tem pelo menos duas vezes por semana microfones do Brasil todo para falar. Não deveria ter guardado a mágoa pelo que sofreu no Fluminense no ano passado. Esperado um ano para tornar público seu sofrimento. Treinadores negros são minoria. Infelizmente ainda são pioneiros. Estão abrindo espaço no futebol. E terão de enfrentar a hipocrisia da população como um todo. A sociedade brasileira mente para si mesma. Garante não ser preconceituosa. Mas é. E muito. Quais os presidentes negros que assumiram a CBF? Quantos técnicos negros comandaram a Seleção?





Fonte: Esportes R7
Autor: cosmermoli
Publicado em: 11 Aug 2015 09:22:44

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