terça-feira, 21 de julho de 2015

"A Lei Pelé faz a festa dos empresários. Sabota a Seleção e o futebol brasileiro. Garotos de 10, 12 anos estão indo para a Europa. Fui empresário, vi o outro lado." Segunda parte da exclusiva com o coordenador da Seleção, Gilmar Rinaldi...

"A Lei Pelé faz a festa dos empresários. Sabota a Seleção e o futebol brasileiro. Garotos de 10, 12 anos estão indo para a Europa. Fui empresário, vi o outro lado." Segunda parte da exclusiva com o coordenador da Seleção, Gilmar Rinaldi...




Gilmar Rinaldi foi 12 anos empresário. E acredita que este tempo foi mais do que suficiente para entender o que enfraquece o futebol brasileiro. A lei Pelé teve boa intenção, liberou os atletas do escravizante passe. Só que houve um efeito colateral. Não foram os atletas que ganharam. Mas os atletas. "Estive do outro lado e sei como é fácil. Os clubes estão amarrados. Não podem ter qualquer vínculo com atletas até eles completarem 16 anos. Só que os empresários estão levando os meninos para a Europa com 12, 13, 14 anos. Há casos absurdos até com oito, nove anos. Basta levar os pais. Como o Barcelona fez com o Messi. Nós temos de mudar a nossa legislação. O clube precisa ter o direito de registrar seus jogadores mais jovens. Se não, o futebol brasileiro continuará sendo enfraquecido. E os empresários cada vez mais ricos. Isso cabe ao governo. A Lei Pelé ficou ultrapassada. Fui empresário e sei o que estou falando", resume Gilmar Rinaldi. Gilmar, vamos falar do trabalho de observação de jovens. E convocação de seleções de base. Soube que na Seleção Brasileira é precário. Infelizmente é uma coisa absurda. Há várias coisas inacreditáveis. Só um parênteses. Quando assumi, fui atrás do material da Seleção passada. Dados dos jogadores. Estatísticas. Relatórios médicos. Não havia banco de dados. Simplesmente nada. A Seleção pentacampeã do mundo não tinha um mísero banco de dados dos seus atletas. Comecei a fazer imediatamente. Informatizamos a CBF. Tudo está agora nos nossos computadores. Deixaremos um vasto material para quem assumir. Em relação aos meninos era mais inacreditável ainda. Os técnicos da base eram ex-jogadores sem grande aprofundamento tático, técnico. Tínhamos apenas dois observadores que viajavam pelo país para ver jogadores para as Seleções Brasileiras. Estou falando sério. Neste país imenso, que é um continente, apenas dois iam para lá e para cá, sem método algum, escolhendo jovens promessas. Dependíamos da indicação dos treinadores. Era mais ou menos assim. Digamos, o técnico da sub-15 ligava para o treinador do sub-15 do Internacional ou qualquer outro clube grande. Perguntava se tinha alguém com talento. E, lógico, que ele indicava quem interessa para ele, para o clube. A CBF pediu um e vinha dois, três. Os clubes grandes acabavam impondo seus jogadores.

Agora não é mais assim. Pedi a ajuda dos grandes treinadores de cada categoria no Brasil, como um comitê. E escolhemos os melhores. E também passamos a espalhar a analisar os números de cada garoto nos clubes importantes do país. Está longe do ideal, mas agora temos critérios, metodologia. Antes a CBF tinha dois observadores. Os maiores empresários do Brasil sempre tiveram dezenas de observadores. A concorrência era absurda. Os empresários sempre chegavam antes. Descobriam os garotos e os encaixavam na Europa. Nem chegavam ao principal jogando aqui. Os empresários foram os grandes beneficiados com a Lei Pelé? Sem dúvida. E quero usar a força da CBF para que os nossos governantes mexam na legislação. Não para favorecer os clubes. Mas para favorecer o futebol brasileiro. Estamos perdendo gerações e gerações. Com a crise financeira que vivemos, mais e mais garotos estão virando as costas para os clubes daqui. Você sabe que é ilegal garotos de 14 anos terem vínculos com os clubes. O primeiro contrato só pode ser assinado com 16 anos. E o craque, o diferenciado aparece com 12, 13, 14 anos. É uma farra. Fácil demais para qualquer empresário tirar o menino que é destaque no clube e levar sua família para ganhar muito dinheiro na Europa. A situação é séria e reflete na Seleção. Por isso quando alguns são convocados, com o Roberto Firmino, o David Luiz, ninguém mal lembra deles no Brasil. E olha que eles até jogaram um pouco por aqui.

Daqui para a frente, nem isso. Meninos de 10, 11, 12 anos com excelente potencial como jogadores estão nas mãos de empresários. E estão indo embora. Só vamos ouvir falar deles quando estourarem lá fora. Se os clubes daqui não tiverem o direito de registrá-lo muito mais cedo do que 16 anos, será assim. Isso só beneficia os empresários. Daqui a pouco, os clubes deixam de investir na base. Formar jogadores para os melhores serem levados de graça? Isso reflete em cheio na Seleção Brasileira. Vou usar a minha voz enquanto for coordenador da Seleção para mostrar o absurdo que vivemos. A CBF está monitorando jovens valores no Exterior? Estamos fazendo o possível. Mas como já mostrei a você, tudo ainda era muito amador. Se tínhamos dois observadores para um país de mais de 200 milhões de pessoas, é lógico que o trabalho de acompanhamento dos jovens talentos na Europa está no começo. A CBF precisava se modernizar. Essa é uma das minhas missões mais importantes. E vai além do que as pessoas podem acompanhar. Eu sou obrigado a falar que os grandes empresários no Brasil e do mundo estão muito melhores preparados do que a CBF. Isso não pode continuar assim. E não vai. Mas isso é muito grave, Gilmar. Do que adianta ter uma sede milionária, concentração, cinco títulos mundiais e trabalhar dessa maneira amadora na base? É exatamente a nossa análise. Foi o que encontramos. As pessoas precisam entender que nada é por acaso no futebol e na vida. Se o trabalho não for muito bem feito com os garotos, não podemos ter uma Seleção Brasileira forte. É sempre o improviso. Por isso a lei tem de ser mudada. A farra dos empresários com os meninos precisa terminar. Os clubes não podem mais ser tão prejudicados. A legislação está ultrapassada. Falo isso não porque sou coordenador da Seleção. Mas porque fui empresário 12 anos. E sabia muito bem o quanto a lei não está ao lado dos jogadores, dos clubes, do futebol brasileiro. A lei brasileira que cuida dos jogadores menores de idade protege e dá todo poder aos empresários. Beneficia 10, 20, 30 agentes. Os deixa milionários. E sabota o futebol deste país.




Fonte: Esportes R7
Autor: cosmermoli
Publicado em: 21 Jul 2015 13:08:17

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