terça-feira, 16 de agosto de 2016

Aos 100 anos, morre João Havelange. O homem que acabou com a ingenuidade do futebol. Fez da Fifa, império. Era tratado como um estadista. Mas apostar que faria Ricardo Teixeira seu sucessor, foi sua desgraça...

Aos 100 anos, morre João Havelange. O homem que acabou com a ingenuidade do futebol. Fez da Fifa, império. Era tratado como um estadista. Mas apostar que faria Ricardo Teixeira seu sucessor, foi sua desgraça...




Rio de Janeiro... O mundo do futebol se divide entre AJH e DJH. Jean-Marie Faustin Goedefroid de Havelange acabou com a ingenuidade. Descobriu todo o poder financeiro deste esporte que comove bilhões de pessoas. Foi quem juntou um mais um. Desfez o amadorismo da Fifa ao dividi-la com corporações bilionárias como a Adidas, Coca Cola, Visa. Percebeu todo o potencial das transmissões esportivas. Não diferenciou governos para tê-los junto à Fifa. Ditadores sanguinários se juntaram a socialistas utópicos, a presidentes corruptos. O que importava era espalhar o poder da Fifa no planeta. Instituiu o rodízio de continentes na organização da Copa do Mundo. Fez europeus se dobrarem diante de africanos, sul-americanos, asiáticos, usando o poder da democracia, dos votos igualitários. Suas alianças o sustentaram desde a CBD, depois CBF. Ficou 18 anos, de 1956 a 1974 aprendendo a manipular interesses, militares, políticos corruptos. O futebol nacional foi excelente escola. Usando todos os recursos possíveis e, muitos não publicáveis, conseguiu acabar com o complexo de vira latas. Conseguiu fazer do Brasil tricampeão mundial. Depois quis a Fifa. E a tomou dos europeus, que a dominavam desde que foi fundada. A estratégia que tirou o inglês Stanley Rouss foi simples e brilhante. Como a eleição era democrática, onde cada voto tinha o mesmo peso, ele convenceu africanos, sul-americanos e asiáticos a o elegerem. A promessa era que levaria dinheiro e competições para seus países. Viajou em campanha pelo mundo todo. Algo que pegou de surpresa, Rouss.

Há quem garanta que a família Dassler, dona da Adidas, patrocinou a eleição de Havelange. A verdade é que a empresa bilionária virou a primeira parceira no processo de "modernização" da Fifa. Foi fundamental para transformá-la em um império. Havelange foi muito esperto. E criou inúmeros mundiais, além da Copa. Fez torneios infantis, infanto-juvenis, juvenis. Além de incentivar o futebol feminino. Quanto mais campeonatos, mais transmissões e mais patrocinadores. Estratégia simples e brilhante. Ficou 24 anos na Fifa. Teve 42 anos no poder. Fez o sucessor, seu secretário-geral, o suíço Joseph Blatter. A Europa voltava a mandar no futebol mundial. Havia um acordo entre eles. Blatter deveria ficar dois mandatos e depois fazer o então genro de Havelange, Ricardo Teixeira, o presidente que havia imposto à CBF. Mas Blatter se apaixonou pelo poder. E traiu Havelange. Ricardo Teixeira também nunca teve o carisma, a persuasão, a visão política, a personalidade do sogro. Foi solenemente desprezado por Blatter. Nunca passou de um cargo sem representatividade alguma na arbitragem. Uma humilhação pública feita pelo suíço. Enquanto isso, Havelange colecionava honrarias. Ganhou todas as honrarias, o reconhecimento mundial.

Desde 1963 se tornou membro do Comitê Olímpico Internacional. E presidente honorário da Fifa desde 1998. O COI o apontou como um dos três maiores "Dirigentes do Século XX". Estava ao lado do barão Pierre de Coubertin, idealizador das Olimpíadas na Era Moderna. E o ex-presidente do COI, Juan Antonio Samaranch. Havelange vivia como um monarca que havia deixado o reino, mas seguia sendo tratado como um estadista. Cercado de respeito, jantares, premiações. Mas veio a eleição para a Fifa em 2011. Ricardo Teixeira estava ressentido. Percebeu que nunca ocuparia o cargo que sonhou. A CBF seria o seu reino, sua diversão enquanto quisesse. E só. Mas veio a eleição que deveria ser apenas a confirmação de Blatter no cargo. Porém apareceu Mohamed bin Hammam, presidente da Confederação Asiática de Futebol. Ele fez uma campanha milionária. Era o articulador da campanha da Copa de 2022 no Catar. Teixeira se aproximou de Mohamed e caiu em desgraça com Blatter. Arrastou junto João Havelange.

Bin Hammam teve de retirar sua candidatura, acusado de subornar eleitores. Foi banido da Fifa. Logo após a reeleição de Blatter, veio à tona de forma definitiva o escândalo ISL. Não por coincidência. Foi uma nada discreta vingança a quem se virou contra ele. A empresa de marketing esportivo International Sports and Leisure firmou contrato com a Fifa nos anos de 1990. A FIFA lhe cedeu a exclusividade nos direitos de comercialização da Copa do Mundo. E também participação na negociação de direitos de transmissão para a televisão. Mal administrada, a ISL faliu em 2001. Só que antes do seu colapso financeiro de US$ 300 milhões, veio o escândalo. A empresa teria feito pagamentos de milhões de dólares a dirigentes esportivos. Seriam recompensas pelo tráfico de influência. A BBC conseguiu documentos do Tribunal Federal da Suíça. Incriminavam Havelange e Teixeira. Eles teriam até devolvido dinheiro que receberam. O dinheiro recebido pela dupla chegaria a R$ 45 milhões. O processo foi encerrado na Suíça com o dinheiro devolvido. Mas não na entidade comandada por Blatter. A Fifa criou em 2012 um comitê de ética. E anunciou a abertura de uma investigação interna sobre o caso. Nomeou o americano Michael J. Garcia como chefe da apuração. A investigação chegou aos nomes de Leoz, Teixeira e Havelange. Teixeira renunciou ao comando da Copa do Brasil, à CBF. Leoz abriu mão da Conmebol.

E Havelange deixou o cargo de presidente honorário da Fifa.

A entidade afirma que não pode punir quem já não está mais no cargo.

Foi afastado do COI.

Blatter conseguiu o que queria.

Vingou-se a quem o traiu na última eleição.

O mais poderoso dirigente do Brasil caiu.

Perdeu suas honrarias mais significativas.

Desde então, com 96 anos, ficou recluso. Fugia das entrevistas, não queria saber de imprensa, de futebol. Percebeu que todo o poder, o prestígio, as honrarias não existiam mais.

Passou a ser desprezado pelos países que colocou no cenário do futebol. Seus últimos anos de vida foram constrangedores.

Morreu hoje, aos 100 anos, de pneumonia.

Mas para o futebol havia partido há quatro anos.

Assinou sua sentença de morte esportiva em 1998.

Cometeu dois grandes erros.

O primeiro confiar em Blatter.

E o segundo, e muito pior, apostar em Ricardo Teixeira.

Seu ex-genro foi sua desgraça...




Fonte: Esportes R7
Autor: cosmermoli
Publicado em: 16 Aug 2016 10:31:54

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