quinta-feira, 26 de maio de 2016

Cuca dá aula de modernidade. Palmeiras mostra que é possível ter uma, duas, três maneiras de jogar durante 90 minutos. O futebol brasileiro pode ir além de só copiar esquemas europeus...

Cuca dá aula de modernidade. Palmeiras mostra que é possível ter uma, duas, três maneiras de jogar durante 90 minutos. O futebol brasileiro pode ir além de só copiar esquemas europeus...




Há muito tempo o futebol brasileiro não assistia uma revolução tática. Os treinadores desse país, tão fãs da filosofia europeia de jogo, costumam repetir o modus operandi. Dissecam, dois ou três anos depois, o que um grande time está fazendo. E, com muita dificuldade, tentam repetir por aqui. Foi assim que desembarcaram o 3-5-2, o 4-2-3-1, o 4-3-3 com dois atacantes de velocidade pelos lados, o 4-1-4-1, o 4-2-2-2... Fora todos os mais antigos. Por curiosidade vale a pena saber que o futebol registra como seu primeiro esquema tático, o 1-1-8, quando todos pensavam em marcar gols. Aos poucos, o esporte foi ganhando racionalidade. 1-2-7, 2-2-6. O 2-3-5, desenvolvido na Inglaterra foi conhecido como pirâmide e acabou usado em todos os clubes, considerado o ideal, definitiva tática para o futebol. Isso nos anos 10 do século passado. Veio a revolução do impedimento, criado na década de 20. Aí surgiu o WM. Três zagueiros, dois médios (volantes), dois meias e três atacantes. Visto pelo alto, o desenho tático forma as duas letras. O Brasil, campeão de 1958, deve muito ao húngaro Béla Guttmann, que treinou o São Paulo. Já com visão de preenchimento de espaço, foi campeão paulista de 1957, com seu 4-4-2. Quem era seu auxiliar? Vicente Feola, treinador da Seleção na Suécia. E que implantou o mesmo sistema de jogo. E que também foi copiado, lógico. O Ferrolho Suíço, em 1938, já havia eliminado a Alemanha. No 5-3-2, considerado indecentemente defensivo, havia a figura do líbero. Depois a Itália e a Alemanha o consagraram. O Brasil foi utilizá-lo com Lazaroni em 1990. Foi um desastre. Os esquemas se sucedem. Guardiola é o treinador mais ousado do planeta. Misturou o futebol total da Holanda, com a movimentação da Seleção Brasileira de 1970. Aboliu as posições fixas do meio para a frente. E priorou a posse de bola de forma absurda. Esse foi seu Barcelona histórico. No Bayern forçou o 4-1-4-1, com muita intensidade, versatilidade. Acabou eliminado três vezes de forma consecutiva por times espanhóis, nas semifinais da Champions. Por isso não influenciará a história.

O defensivista José Mourinho, o versátil Jürgen Klopp, o rei da intensidade, Diego Simeone. O defensor da ofensividade e do refinamento e da velocidade nos contragolpes, Zinédine Zidane. A pressão impiedosa na saída adversária e a maneira compacta dos times de Ancelotti. Exemplos não faltam de homens com visões de como distribuir um time de futebol com eficiência. Usar os onze jogadores, sim incluído o goleiro, novo líbero dos tempos modernos, da melhor maneira possível. Uma pena que esta linha de trabalho se restrinja à Europa. Por filosofia, racionalidade dos dirigentes e calendário condizente com a realidade. No Brasil, seguimos copiando o que dá certo. O esquema dos vencedores. Mas o grande detalhe é que os técnicos e os times param em um só esquema. Se é para copiar o 4-1-4-1 acabou. O jogo pode estar como estiver, não há variação. Não há plano B, plano C. A desculpa, sempre a mesma. Os jogadores brasileiros são limitados. Conseguem desenvolver bem uma só função. E ponto final.

Desculpa esfarrapada. Porque quando vão para a Europa, são treinados. Fazem duas, três funções durante o mesmo jogo. "Na Europa entendi a importância dos treinos. Entendi o futebol." A declaração é de Neymar. No Barcelona de Luis Enrique, joga como ponta, meia, centroavante, desenvolveu o poder de marcação, fecha o lado esquerdo do time catalão com Jordi Alba, seu parceiro de triangulações. Neymar na Catalunha é um. Com a camisa da Seleção é outro. Por falta de companheiros, sim. Mas também porque taticamente a exigência é muito menor. Dunga oferece a intermediária ofensiva para flutuar e ponto final. Encaixado em um esquema tático definido, como era o Chile com o argentino Sampaoli. Passava do 4-1-4-1, para o 4-4-2 ao 3-4-3 na mesma partida. Desnorteava a zaga adversária, mas prevalecia nas intermediárias, onde se decidem os jogos.

Não é só a Seleção que se tornou refém de um só esquema. Os times daqui também. Por isso o que aconteceu ontem na arena palmeirense merece ser destacado. Cuca é mais um grande observador do futebol europeu. Tudo que desenvolveu taticamente veio de lá. Não fosse seu lado supersticioso seria levado ainda mais a sério. Afinal, os deuses do futebol protegem a todos da mesma maneira. Ele não se torna especial, diferente de ninguém vestindo uma camiseta, se ajoelhando. Ele deve ter sua fé. Mas o estádio de futebol não é o lugar para demonstrá-la. Também não deveria seguir a lei de Gerson, tentar levar vantagem em tudo. Está proibido o uso de comunicadores. O Palmeiras já foi flagrado no Campeonato Paulista, contra o Rio Claro, Omar Feitosa ouvia as determinações do suspenso Cuca, por rádio. E ontem, contra o Fluminense, novamente. Sandro Meira Ricci não percebeu. Mas outra vez o Sportv mostrou que Cuca se comunicava com o banco por conta de um ponto eletrônico. É algo ilegal, imoral. Foge às regras do futebol. Uma pena porque a superstição e o ponto eletrônico vão desviar o foco do excepcional trabalho tático que o Palmeiras realizou. Cuca utilizou dois sistemas completamente diferentes. Mostrou como se lida com um elenco grande como o compulsivo Alexandre Mattos trouxe para o Palestra Itália. Cuca queria explorar a lenta zaga do time carioca. E apostou em jogadores rápidos, leves no ataque. O surpreendente Roger Guedes, o talentoso Gabriel Jesus e o instável, mas ágil, Dudu. Só que Levir Culpi está longe de ser burro. Ele travou o Palmeiras superpopulando a intermediária. Cleiton Xavier não conseguia respirar. E a bola não chegava em boas condições para o endiabrado ataque palmeirense.

No intervalo, usando seu proibido poder de comunicação, Cuca mudou a partida. Foi ousado demais. Fez duas trocas. Tirou Egídio e Cleiton Xavier. Acabou com seu 4-2-1-3. Com Moisés e Alecsandro, transformou o time. Passou a atuar no 3-3-2-2. Tchê Tchê deixou de ser volante, virou lateral. Não direito como no Audax, mas esquerdo. Trocava de posição com Matheus Sales, na saída de bola. Moisés passou a jogar como segundo volante, equilibrando a intermediária. Gabriel Jesus passou a atuar recuado pela esquerda. Dudu foi centralizado passando a ver de frente a zaga carioca. Alecsandro ora atuava como pivô, ora saia da área, atraia os zagueiros e abria espaço para quem vinha de trás. Roger Guedes se fixou na direita. Depois entrou Zé Roberto no lugar de Gabriel Jesus, atuando como volante pela esquerda, sem preocupação desesperada em marcar. Apenas armando. É onde joga muito melhor. Levir não esperava a transformação. Tanta versatilidade tática do rival. A derrota por 2 a 0 foi menor do que deveria. Escapou de uma goleada no segundo tempo. Cuca mostrou que é possível utilizar dois esquemas táticos diferentes. Jogadores podem fazer mais do que uma função. Basta treinar. E elenco grande dá a possibilidade de tirar o melhor de cada atleta, dependendo do adversário. Basta controlar sua superstição. E também parar de burlar a lei com pontos eletrônicos. O Palmeiras pode dar enorme contribuição para o futebol brasileiro. Dar um passo à frente. Mostrar que os times podem ir além de apenas copiar um esquema. É possível mudar a maneira de atuar durante 90 minutos. Isso é o que as outras seleções do mundo fazem com o Brasil. E Dunga ainda não percebeu...




Fonte: Esportes R7
Autor: cosmermoli
Publicado em: 26 May 2016 12:13:30

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